Por António Pedro Dores, sociólogo e presidente da Mesa da Assembleia-Geral da TIAC
Enquanto o povo acorda e não acorda, se decide e não decide, se revolta e não revolta, as classes dominantes, com a longa experiência de dominação a guiá-las, com o largo séquito de que dispõem, recompõem a história de forma a não saírem muito mal na fotografia.
Antes da crise financeira rebentar e arrastar consigo os bancos, autorizados a lavarem o dinheiro dos jogos da bolsa no dinheiro que faz mover a economia (o nosso dinheiro do dia a dia), eram os reguladores estatais quem deveria assegurar a não ultrapassagem de níveis de risco aceitáveis. Falharam os reguladores. A ganância foi denunciada. A solução da crise foi entregue aos mesmos que nos conduziram a ela. Já que os mantiveram no poder, fizeram aquilo que se poderia esperar deles: privatizaram a regulação financeira (através das agências de rating) para que os Estados de comportassem melhor.
Sob a tutela de instituições internacionais, as finanças europeias deitaram às urtigas as políticas de convergência e substituíram-nas pelas de austeridade. A democracia deixou de depender do desenvolvimento e passou a estar hipotecada ao serviço da dívida. Inquietos primeiro, reclamantes depois, os povos estão agora inseguros e desconfiados. E aqueles que imaginaram que menos Estado significava menos corrupção verificaram o seu engano. A economia paralela e a percepção de corrupção cresceram. Apenas se privatizaram.
Na primeira década do século, o conceito de corrupção evoluiu de modo a incluir a corrupção nas grandes empresas e nos negócios internacionais, mesmo quando não há intervenção de funcionários do Estado. Com a expansão das funções do Estado para dentro das empresas, com o crescimento e aumento de importância das funções não produtivas, nomeadamente as financeiras, mais remuneradas do que as actividades de produção, a corrupção passa a ser possível ocorrer em actividades privadas. A privatização, portanto, não implica a impossibilidade de corrupção. Pode aumentar as oportunidades para exercitar os vícios do Estado por alargar as suas possibilidades de existência e de extensão. É um problema de práticas concretas e não de estatutos abstractos.
A confirmá-lo estão as polémicas públicas sobre os salários dos maiores gestores e a politização da questão. A ponto de se terem pedido tectos salariais, anteriormente fora de causa. Como também se puseram em causa as rendas monopolistas. E os salários dos políticos passaram a ser confidenciais.
Neste quadro, as políticas de privatizações não só são em si mesmas um risco de corrupção – nos próprios processos de passagem de propriedade – como não correspondem a um fim dos problemas da corrupção nas sociedades privatizadas nem no Estado. Ao invés, processos de privatização corrompidos (como mostra a experiência ter sido o caso em algumas circunstâncias) constituem-se em base prática de experiência do valor e da impunidade da corrupção, a favor de interesses privados e desprezo dos interesses públicos e dos valores comuns.
E o Povo não cala a desgraça…Não pode mais suportar esta falta de respeito por quem trabalha… Ponto final na corrupção.