Os super competentes

Os super competentes

Por Orlando Nascimento, Juiz Desembargador e último Inspector-Geral da IGAL

Nos momentos de crise, como nas guerras, a desgraça de uns produz a riqueza de outros.

Na comprovação deste princípio, algumas vezes esquecido e muitas escondido, lembro, neste início de 2014, o fenómeno dos competentes MAIS, MAIS, MAIS. Nunca ninguém lha viu, mas devem ter a tal competência, várias vezes MAIS.

Só assim se justifica a riqueza mensal com que são agraciados. A gerir, a regular, a dar confiança, a zelar pelo futuro pátrio e, prometidamente, pelo nosso, sempre com super competência, a cortar no salário, na reforma, no descanso, mexendo nos bolsos e rapando na sopa dos pobres, a dividir entre uns e outros, entre os mais remediados e os menos remediados, os mais pobres e os menos pobres, a ludibriar com o reajustamento, a convergência, a sustentabilidade, a adaptação, a calibragem, e outros cinismos inspirados por apressada leitura do príncipe … que nunca serão!

Quando alguém acha que é DEMAIS, logo surge a razão. ELES SÃO MUITO COMPETENTES!

Pois, na coisa pública.

Pois, a viver da coisa pública.

Pois, a vender a coisa pública.

E que tal passarem as perninhas para o mercado? Não gostam da privada?

E regulam para quem? Aliás, regulam o quê? O mercado, qual mercado? A abébiazinha garantida. E já agora, sem risco.

Meus caros amigos, muito competentes, deixem-se de tretas de competências!  Os senhores vendem a alma ao diabo e recebem o respectivo preço. Como o xerife de Nottingham, roubam o porco aos camponeses e ficam com parte do toucinho. Não esperem engordar com ele!

São muito competentes?! Pois, se não fossem não conseguiríamos ter instituições públicas a jogar à vermelhinha, a electricidade mais cara da Europa, a água pior pelo preço da boa, os esgotos com ligação directa para qualquer corgo, a televisão pagas ou piscas, os combustíveis que variam entre 00,04 e 00,09, as vozes da paróquia que nos martelam os vaticínios só do prior e a…segurança bancária!

Valha-nos a segurança bancária!

Como nós confiamos nestes muito competentes!

Qual presidente, quais deputados, qual executivo, quais juízes. Ali é que está a legitimidade do poder democrático, o santo dos santos do dinheiro.

Não houve tempo para contrato social e ela, a legitimidade, veio de cima, do alto ou de baixo, tanto faz.

Lá fora também têm estes legitimados competentes, sem uma coisa nem outra.

Tanta competência tinha dar…e deu. Em corrupção! Não só a do código, do activo e do passivo, mas no sentido velho, aquela que, corrompendo, não deixa reproduzir, a que não deixa produzir.

Com tão elevadas competências, os empresários internacionais têm medo de não estarem à altura, de serem desfeiteados num país tão pequeno, de gente tão pobre, mas com tanta competência. E os nossos têm medo, mas pela certeza de não conhecerem negócios tão bons. Como poderão eles competir com a indústria da água, do lixo, das portagens, dos incêndios, das antenas, dos pavilhões, dos centros culturais, das presidências, dos comandantes, das concessões, das parcerias, dos funcionários do Estado e de outras coisas, que recebendo de todos nunca mais conseguirão viver do vencimento?!

E que poderão eles oferecer que estes não tenham MAIS?

Do bolo nada sobra, nem para gastar nem para empreender.

Esta corrupção monopolista, burocratizante e de compadrios grupistas revolve-nos os bolsos, carrega-nos de requerimentos, castra-nos as ideias e… vende-nos tudo! Juntamo-nos a eles ou estamos quietos.

Ah, se alguém quisesse os nossos MAIS-que-competentes! Nem que fosse para … um estágiozinho. Começaríamos todos por baixo, de baixo para cima, com as competências à vista. Talvez voltássemos a produzir, talvez nos voltássemos a reproduzir, talvez os empresários em férias cá ficassem, talvez nascessem cá empresários, talvez o trabalho fosse pago, talvez fôssemos o país que, no fundo, pensamos que somos. Pequeno mas Grande!

Talvez…

Por agora, temos o fartote dos SUPER COMPETENTES.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

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6 comentários a Os super competentes

  1. Estamos a assistir à destruição do Estado Democrático, ao Estado Social, estão a oprimir o povo com a miséria em beneficio das Elites Económicas e políticas… Onde continua a não haver alterações ao estado de coisas que nos deixou à beira da Banca rota, falência… A Corrupção continua…!

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  2. Poderosíssimo e muito corajoso texto. Lamentável é que a generalidade dos portugueses continuem a pensar que alguém os resgatará e lhes devolverá a dimensão de Homem Livre, quando isso depende de todos.

    Parabéns e obrigado pelo envio do teu brilhante post.

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  3. Talvez algum dia se saiba (compreenda) porque das primeiras acções que o competente Relvas teve foi exonerar V. Exª do cargo que contra alguns e a favor de quase todos vinha a exercer e, provavelmente já teria feito “comichões” a tão ilustre letrado em relações internacionais!
    E o que dirá V. Exª da nossa água não ser um produto estratégico para o nosso competentíssimo e outros íssimos (des)governo?
    Porque será que nem sequer lêem o que diz a ONU e muitos países sobre a água?
    Saberão o que se passou na Bolívia com a venda dos recursos hídricos a uma qualquer multinacional de todos os negócios que se possam transformar em rendas a pagar pelo Zé do Bordalo e os nossos competentes a receberem a dízima?
    Certamente que um dia destes saberão.
    Chama-se traição à Pátria e os seus vendilhões terão que prestar contas aos Homens!

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  4. Brilhante! Pena não ter a divulgação e eco necessários para produzir efeitos. Mas tantas vezes o cântaro vai à fonte…. Veja-se o exemplo de Burgos. Um exemplo a registar e transferir para Portugal!

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