
Da esq. para a dir., J.C. Weliamuna (pres. júri Integrity Awards), Huguette Labelle (Pres, TI), Rafael Marques, Luo Changping, Peter Eigen (Fundador TI) e Akere Muna (Vice-pres. TI)
Por João Paulo Batalha, membro da Direção da TIAC
Na última sexta-feira, em Berlim, perante uma plateia de centenas dos meus colegas do movimento Transparency International, especialistas em corrupção, decisores e agentes públicos vindos de todo o mundo, tive o privilégio de apresentar o ativista angolano Rafael Marques, que a TIAC nomeou e a Transparency International premiou com o Integrity Award 2013. O prémio, criado pelo secretariado internacional da TI em Berlim, visa distinguir personalidades cuja coragem, integridade e dedicação na luta pela transparência os colocam num estatuto à parte entre os milhões de cidadãos que todos os dias se mobilizam contra esta chaga social.
O jornalista Rafael Marques é seguramente um destes exemplos. Há anos, através dos seus artigos, investigações e campanhas na Justiça angolana, Rafael Marques luta pela responsabilização das autoridades de Luanda por sucessivos casos de corrupção, violações de direitos humanos e outros atropelos à lei do país, que têm passado reiteradamente impunes.
Esta distinção é um prémio merecido às qualidades humanas de Rafael Marques, mas é muito mais do que isso. É também um sinal claro de que o mundo está atento e de que os negócios escuros e a pilhagem de um país pelos seus máximos responsáveis não podem ser tolerados. No seu discurso à plateia de ativistas anti-corrupção em Berlim, Rafael Marques denunciou mais um dos negócios do regime, que entregou à família presidencial uma fatia ainda maior do comércio de diamantes em Angola. O seu livro “Diamantes de Sangue”, alvo de uma queixa por difamação (arquivada por falta de mérito) por parte de altos generais angolanos, já nos tinha revelado a dimensão chocante do sistema de corrupção e repressão na exploração diamantífera. Como as novas denúncias revelam, o trabalho tem de continuar.
Mais importante do que a distinção, o que sobressaiu na cerimónia de entrega do Integrity Award foi um sinal para o futuro. Rafael Marques dedicou o prémio ao jovem ativista angolano Manuel Nito Alves, preso durante dois meses em Luanda por tentar imprimir t-shirts críticas do Presidente José Eduardo dos Santos, e finalmente libertado na própria sexta-feira, depois de intensas semanas de pressão sobre o regime, em Angola e no mundo. Nito Alves prova que há uma nova geração de angolanos que não pactua com a corrupção nem se deixa vencer pelo medo.
A saga do jovem de 17 anos, no entanto, ainda não acabou. Libertado sob termo de identidade e residência, aguarda julgamento pelo crime de ofensas ao Presidente da República, pela tentativa de imprimir 20 t-shirts com críticas ao regime. Esta segunda-feira, Dia da Independência de Angola, a TIAC e a Transparency International tomaram posição pública sobre o caso, exigindo às autoridades angolanas que levantem todas as restrições sobre a liberdade de Manuel Nito Alves e assegurem a todos os cidadãos as condições para exercerem o seu direito de se manifestarem e denunciarem a corrupção. Respeitar e fazer respeitar esses direitos elementares, protegidos pelas leis do país, seria sem dúvida a melhor forma de comemorar o aniversário da libertação dos angolanos. Continuamos à espera desse dia.
Do mesmo modo, o trabalho de Rafael Marques e a distinção que lhe foi dada são uma chamada de atenção às autoridades portuguesas e um apelo para que o nosso Ministério Público investigue a fundo todos os casos pendentes envolvendo investimentos entre Angola e Portugal, sem olhar a pressões ou conveniências políticas; e que o Governo português assegure que a Justiça tem todas as condições para fazer o seu trabalho, para que o combate à corrupção nos dois países (por vezes com os mesmos protagonistas) seja levada a cabo com determinação, doa a quem doer.
No final de contas, a integridade que foi premiada este fim-de-semana em Berlim não foi apenas a de Rafael Marques. Foi a integridade de todo o povo angolano que – com a solidariedade da esmagadora maioria dos portugueses – exige justiça. As relações entre Portugal e Angola não podem ser um mero clube de governantes comprometidos. São, antes de mais, relações entre povos que se respeitam e admiram. A TIAC tem todo o orgulho em estar com o Rafael Marques e com os cidadãos angolanos neste combate. Hoje e sempre.