Por Marcelo Moriconi, sociólogo, investigador do CIES-IUL e co-coordenador do projeto Sistema Nacional de Integridade
Reza a história que, nos últimos meses, alguns políticos e representantes do Estado português, em busca de novos produtos para exportar e ajudar a impulsionar a economia nacional, se lançaram num novo empreendimento: o humor político. Este novo humor português é um misto de ingenuidade e cinismo, que poderia fazer parte de uma campanha publicitária de outro grande produto português: o vinho – e todas as suas variantes. O problema é que não se sabe se promove o consumo de vinho para afogar as mágoas ou o se o vinho foi por eles bebido antes da conferência e o humor é fruto de algum efeito etílico.
Em setembro último, a procuradora Cândida Almeida assegurava que Portugal não é um país corrupto e que a perceção da sociedade sobre este problema era exagerada. Há duas semanas, a conferência final do Projeto Sistema Nacional de Integridade, organizada pela TIAC no Instituto de Ciências Sociais, chegou a outro tipo de conclusões e deixou alguns focos de preocupação no que diz respeito à luta contra a corrupção em Portugal, nomeadamente a aceitação da sua existência pela própria classe política e a confirmação da falta de vontade política para combater o flagelo.
Esta inação ficou refletida no lançamento da edição de 2012 do Índice de Perceção da Corrupção, uma medição realizada anualmente pela Transparência Internacional. Portugal surge na 33ª posição, com 63 pontos em 100 (este ano a Transparência Internacional alterou a metodologia e a escala de pontuação, pelo que não são aconselháveis comparações com avaliações anteriores). Pode, por isso, afirmar-se que o país continua na cauda da Europa, só ultrapassado pela Grécia, Itália, Malta e alguns países de Leste. A luta contra a corrupção continua sem ser um elemento-chave da agenda política e esta avaliação não mostra avanços significativos.
A peça humorística de representantes do Estado e políticos tem quatro atos discursivos.
No primeiro ato, altos cargos públicos e políticos mostram-se verdadeiramente preocupados com a corrupção e explicam todo o trabalho que têm vindo a levar a cabo nas suas atividades diárias. O Conselho de Prevenção da Corrupção continua a avaliar e atualizar Planos de Riscos; o Provedor de Justiça pugna por um código de conduta para toda a administração pública; a Comissão Parlamentar para a Ética, a Cidadania e a Comunicação procura criar uma cultura de transparência entre os deputados; a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos e a Agência para a Modernização Administrativa são fervorosas defensoras do governo aberto e mobilizam-se para melhorar o acesso dos cidadãos à informação; a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos do Tribunal Constitucional luta para que os partidos políticos sejam claros, transparentes e metódicos nas suas contas.
No segundo ato, académicos, denunciantes e ativistas queixam-se de que o trabalho realizado por aqueles políticos não é suficiente, enumeram problemas e exemplos de falta de transparência ou ineficiência e, nalguns casos, propõem recomendações que ajudaria a melhorar a situação. Os problemas são os mesmos de sempre: políticos que passam para o sector privado e empresários que chegam à política de forma um tanto turva; legisladores que evitam declarar os seus conflitos de interesse; ineficácia; lentidão e inação da Justiça; falta de transparência do financiamento dos partidos políticos. É então que a classe política aceita a existência da corrupção e a falta de transparência ao seu redor. E quando se pressiona um pouco mais, o problema revela-se ainda mais grave: reconhece-se que não existe vontade política para combater o problema – nos quatro painéis da conferência, pelo menos dois participantes reconheceram o problema e ninguém se lhe opôs.
Sem uma verdadeira vontade política, pouco há a fazer, provavelmente nada. Chega-se então ao terceiro ato: a classe política reconhece o seu desejo e preocupação, mas admite que não conta com os meios suficientes: “fazemos o melhor que podemos com o que temos”. “Não podemos fazer mais”, advertiu o Juiz António José Pimpão, presidente da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, perante o ataque da ativista Bárbara Rosa (Má Despesa Pública), que enumerava uma série de deficiências no fornecimento de informação da própria CADA. “Só temos 200 mil euros”, queixou-se o secretário-geral do Conselho de Prevenção da Corrupção, enquanto os membros das ONGs e projetos sociais, que pugnam sem recursos (de verdade) por um país mais transparente, sonham com tudo o que poderiam realizar com uma quantia semelhante. Por exemplo, o projeto Sistema Nacional de Integridade foi executado com um gasto de menos de 50 mil euros (ainda que tivesse um orçamento de 63 mil euros), tendo como uma das atividades de advocacy uma escola de verão que formou 50 pessoas na luta anticorrupção, um relatório e a possibilidade de criar leis e recomendações concretas para melhorar a situação. E o que dizer da Comissão de Ética, cujo presidente reconheceu ser impossível analisar todas as declarações de conflitos de interesse; ou a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos que avança que será impossível a supervisão e fiscalização profunda dos gastos de campanha durante as próximas eleições autárquicas devido à falta de meios e pessoal?
Falando de gastos e orçamentos, não se pode deixar de salientar que os participantes no debate sobre novos desafios para a regulação e supervisão do financiamento político aceitam, não apenas que os partidos não se preocupem com a clareza das contas (“É muito importante que os partidos tenham a noção de que têm de prestar contas”, disse o deputado e coordenador do Bloco de Esquerda João Semedo), mas também que o volume de gastos de campanha é abusivo e que se poderia gastar metade.
Surge então um novo argumento, o quarto ato: a corrupção existe, claro, mas é cultural. Temos uma cultura que a tem tolerado, a tolera e a política faz parte dessa sociedade corrupta. Enumeram-se os famosos e recorrentes casos de autarcas corruptos que ganham eleições apesar das suas condenações – ou julgamentos – e passa-se a bola para a cidadania. A falta de transparência dos partidos políticos, por exemplo, “é fundamentalmente um problema de cultura política e de exigência dos cidadãos”, segundo Semedo.
A bola passa de um lado para o outro e Portugal mantém as mesmas qualificações negativas na medição do Índice de Perceção da Corrupção. Ninguém toma medidas efetivas e a vida, no seio da crise, perde qualidade, aumenta o sofrimento e gera incerteza. Sobra o vinho, mas ninguém pode assegurar se é melhor bebê-lo antes ou depois de falar e compreender a política nacional.
Portugal… A perfeita Republica das bananas.
Como querem que as pessoas votem no partido A B e C, se 70% dos deputados, boys, girls e afins sacam todos do meu “bolo”. É uma vergonha o que estes senhores estão a fazer ao “meu” país. Todos nós somos culpados desta situação, mas não tenho nenhuma casa no Alentejo ou no Algarve, para sustentar os meus vícios e desvarios. Justiça podre e obsoleta, não vejo esperança para julgar os culpados. O compadrio é eximinio para estes tipos de casos. Gostava que essa justiça existisse. espero um dia dizer que fui feliz neste país..
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Podem publicar o meu nome, pois não temo nada nem ninguém! como disse o Arcebispo Tutu da Africa do Sul:”Truth hurts, but must always prevail”…Ora eu sou apoiante dele e desta máxima…
Ora Portugal, tem antropologicamente falando um nivel de sub-desenvolvido, nenhuma tradição de democracia ou de jornalismo de investigação,analfabetismo ainda relativamente alto (Inademissivel depois do 24 de Abril!), uma população ignorante e sem curiosidade de se informar, controlada por uma elite minoritaria, cuja socialização continua vinculada aos previlegios dos Patricios (Naquele tempo a aristocracia)Romanos, Depois a influencia Arabe da cultura do Bakshich, sequindo-se a tolerancia da Igreja Católica que nunca condenou nada disto…Ora como esta instituição até ao século 20 controlava o ensino, quem ia estudar ou não, não me admira o pessimo estado do civismo portugues onde fugir aos impostos é considerado um acto heroico, quem paga é parvo, chico espertismo abunda, exedente de mão de obra sempre se exportou, só que agora a classe que tem que emigrar já é mais instruida e talves não estejam mais interessados em só enviar remessas para a construção civil poder erguer a casinha na santa terrinha, deixando finalmente um vacuum para que a maioria dos portugueses finalmente acorde e se dê conta que estão a sêr explorados por todos os poderes tanto politicos, como religiiosos, como empresários!
De resto os média de PT deixam também muito a desejar, pois não teem conseguido esclarecer a maioria da população nem consciensaliza-la do que está a acontecer…
E claro há sempre um desafio de football ou alguma telenovela que á muito mais importante…Cada povo tem o governo que merece. Os portugueses serão eles masoquistas? Se querem fazer parte da Uniao Europeia, terão de se esmerar mais em cultivar uma cultura de cidadania ou civismo!