Uma lição de integridade

Por João Paulo Batalha, membro da Direção da TIAC

Foi uma coincidência interessante que o final do Curso Livre do Sistema Nacional de Integridade, organizado pela TIAC, o Instituto de Ciências Sociais e a Inteli, caísse no mesmo dia em que o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho veio anunciar, entre um jogo de bola e um concerto, novas medidas orçamentais e um novo mecanismo de contribuições para a Segurança Social, que alivia os encargos das empresas, transferindo-os para os trabalhadores.

A corrupção tem sem dúvida uma responsabilidade na espiral de défice e dívida que se paga agora em sucessivas rondas de austeridade – que levaram centenas de milhares de pessoas para a rua no último fim de semana. É por isso que o nosso estudo Sistema Nacional de Integridade, conduzido em paralelo em 24 países europeus e que serviu de base ao curso livre, veio na altura certa: agora, o país tem finalmente um diagnóstico completo e preciso das falhas em 13 instituições nacionais (do Governo aos tribunais, sem esquecer o Parlamento, as empresas ou a sociedade civil) no combate à corrupção. Mais do que isso, tem também um plano para corrigir as falhas, tapar os buracos e resolver as fragilidades do sistema, que nos estão a impedir de limpar a casa.

Desde que lançámos o relatório, no início de maio, o interesse público tem vindo a crescer: a comunicação social está mais atenta às questões da corrupção, o assunto é cada vez mais comentado e partilhado nas redes sociais e os pedidos que temos recebido, aqui na TIAC, para encontros com cidadãos ou participação em sessões públicas são mais do que os que cabem na agenda. Os portugueses estão fartos da corrupção.

Por isso talvez não fosse de surpreender que, para uma turma inicialmente prevista para 25 pessoas, tenhamos acabado por ter perto de 40 alunos no nosso Curso Livre, com muitos mais impedidos de participar por falta de vaga. Foram cinco dias de trabalho intenso, de manhã até ao fim da tarde, num programa com perto de 20 oradores convidados que, a título gracioso, partilharam connosco conhecimento e experiências pessoais no combate à corrupção – em áreas que vão dos conflitos de interesse no Parlamento ou no Governo até ao financiamento partidário, às falhas nos mecanismos de auditoria das contas públicas ou à eficácia do sistema judicial. Houve ainda tempo para explorar as questões da corrupção no setor privado e discutir o papel do jornalismo de investigação e a importância da sociedade civil na criação de ferramentas de transparência pública.

As sessões decorreram sempre de forma informal e participada, com os alunos à vontade para interromper os convidados, com perguntas claras e exigentes. Foi para isso que fizemos o curso: para dar a oportunidade aos cidadãos de participarem na discussão, questionarem ideias, testarem projetos e encararem de frente os obstáculos que persistem à construção de um verdadeiro Sistema Nacional de Integridade.

No trabalho de comunicação da TIAC, um dos grandes desafios tem sido explicar às pessoas o que é, afinal, um Sistema Nacional de Integridade. A ideia, tal como foi desenvolvida pela Transparency International, assenta na constatação de que boas leis não chegam; funcionários dedicados não bastam. Para erradicar a corrupção, para sermos eficazes na prevenção do crime – e eficazes a puni-lo, quando ocorre – é precisa uma rede de instituições, públicas, privadas e da sociedade civil, a trabalhar em conjunto. São precisos cidadãos informados e empenhados, dispostos a trabalhar por um país íntegro todos os dias, nos seus empregos, na sua comunidade, nas suas vidas. É precisa uma estratégia nacional suportada por organismos capacitados, e é preciso um sentido de missão partilhado por todos para manter essa infraestrutura a funcionar.

É utópico acreditar nisto? Bom, nos dias seguintes ao final do curso, enquanto o país lidava com o anúncio de mais cortes de vencimento e novas medidas de austeridade, a TIAC afadigava-se a processar mais pedidos de adesão de novos sócios e voluntários. Finalmente, estamos a conseguir resolver problemas de organização interna que nos têm impedido de dar a resposta exigida aos cidadãos – e que, pior do que isso, têm desiludido muitas pessoas empenhadas em dar o seu contributo junto da TIAC. Só nos cabe pedir desculpas pelos problemas acumulados e garantir que estamos agora melhor apetrechados para responder aos cidadãos.

É assim, com exigência e trabalho, que se cria um Sistema Nacional de Integridade. Que se limpa a casa. Num país em que é tão fácil o desânimo e a desesperança, em que tantos sentem a corrupção como um mal inquebrável mantido por figuras que pairam muito acima dos cidadãos, importa lembrar o valor intrínseco da integridade. Lembrar que a integridade ainda tem o seu propósito e o seu poder no mundo atual. E que precisamos de todo o espírito de integridade, e de intransigência, de cada cidadão disposto a ser ouvido.

Não é uma má lição, para uma semana de trabalho.

Um comentário a Uma lição de integridade

Deixar um comentário

O seu email nunca será publicado ou partilhado.Os campos obrigatórios estão assinalados *

Podes usar estas tags e atributos de HTML:
<a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <s> <strike> <strong>