Por João Barreto, professor aposentado de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do Porto
Os bons amigos que que me têm enviado graças sobre o “Dr.” Miguel Relvas merecem que com eles partilhe algumas reflexões. Desde já vos garanto que não conheço o referido senhor, nem privo com os seus amigos, designadamente o meu antigo aluno Dr. Meneses. Nem tenho quaisquer pretensões políticas, como de resto ninguém duvida.
À primeira vista o sujeito parece ser um trepador social, um social climber, ambicioso sem limites, com pouca ética e menos ainda capacidade de autocrítica. Isto pouca gente duvida. Tinha vontade de que se falasse dele, pois bem, isso conseguiu, embora não da maneira que mais ambicionava.
Mas é o único do seu género? Não sejamos ingénuos. Como ele há muitos, infelizmente, nos partidos do centro e até nos outros. Talvez só no plantel do PCP haja menos dessa raça. E também os há fora da política, e por exemplo na comunicação social. O oportunismo é de sempre e navega em todos os barcos.
Ele já era assim antes de ser desmascarado. Muita gente o sabia e se calou. Até há duas semanas! O caso só rebentou porque foi oportunamente (cá está) aproveitado para o “queimarem”. Porquê? Tinha muito poder e exibia-o, frequentava amigos pouco recomendáveis, foi arrogante, talvez se tenha armado em tiranete, e por último fez pressões sobre jornalistas.
Mas aqui, novamente apelo a que não sejamos ingénuos. Pressões diretas e sobretudo indiretas fazem-se todos os dias, dizem os próprios profissionais da comunicação. Promessas, seduções, castigos, vinganças, chantagens, são prato do dia. Algo terá havido de especial neste caso. Talvez por ele estar a planear a privatização da televisão pública, o que vai abalar até à raiz o setor da comunicação. Quem afirmar que isso não contou nada, mente com certeza, ou tem asas de anjo! E talvez também os negócios com Angola não estejam completamente de fora.
Foi acusado de ameaçar revelar a “vida particular” de uma jornalista. Parece um escândalo. Mas vejamos de perto e sem paixão. Revelar que uma jornalista é mulher ou namorada de um político no ativo é assim tão grave? É sem dúvida desagradável, talvez um golpe baixo, mas se calhar o público tem mesmo o direito a saber isso.
A grande questão é, creio eu, saber quem é que o sujeito incomoda. Várias forças e poderes. E, do ponto de vista político, avaliar a sua atuação enquanto ministro. Não terá feito nada de meritório? Parece que sim, que fez. Outros farão melhor? É a altura de o obrigar a sair de cena? Que ganha o País com isso? Responda cada um como souber.
Já agora, que pensar da questão da licenciatura? Primeiro, que foi uma tolice da parte dele querer subir desse modo. Grandes vultos da política nacional, da banca, da indústria, da intelectualidade, não são ou não eram licenciados. Muita gente não sabe, mas é verdade. Sempre foi assim. Corbusier nem sequer tinha o curso de arquitectura. Dos pais da União Europeia, vários não tinham andado no ensino superior.
Depois, as universidades fizeram-se para promover o conhecimento, não para o certificar. Os cursos são essencialmente oportunidades de estudo e de amadurecimento cultural. O esforço pessoal, a procura das fontes, o diálogo com o professor, o drama da escrita, são a medula do saber. Dar ou tirar um curso desta maneira, às três pancadas, tem todo o aspecto de profanação. É de quem não dá valor à cultura ou não sabe o que é a inteligência. Além de ofender os que se esforçam para estudar a sério. E fazer pouco dos que pagam impostos para manter o sistema. Mais uma vez, a grande culpa é da escola que assim procede e de quem a devia controlar e não o faz.
Uma equivalência deve resultar da constatação pontual, e rara, de que se pode dispensar um estudante de uma matéria de pormenor que ele comprovadamente já domina. Em toda a minha vida académica não sugeri a concessão de mais de uma dúzia de equivalências. E para se dar uma equivalência deve ser cumprido um procedimento rigoroso e plural, segundo regras aceites. Nada disso parece ter sucedido no caso Relvas – mas o que é grave é que o mesmo se deve ter passado muitas vezes antes dele, e continuado depois dele, e com outros figurões que andam por aí. Estou em crer que muitos dos que agora estão bem calados também comeram do mesmo prato.
Por isso, meus amigos, é salutar que possamos rir das façanhas do Dr. Relvas, mas não esqueçamos que estamos a rir também de nós próprios.