Uma comunidade de valores, ou de negociatas?

Equatorial Guinea's President Teodoro Obiang Nguema Mbasogo is seen following the end of the Portuguese Speaking Countries Community summit in Lisbon, Friday, July 25, 2008. Equatorial Guinea is an associate observer member of the CPLP and is considering making Portuguese one of the country's official languages. (AP Photo/Joao Henriques)<br />

Continua a crescer o repúdio internacional à adesão da Guiné Equatorial à CPLP. Em poucos dias, o movimento “Por uma Comunidade de Valores” (de que a TIAC é membro fundador) registou a adesão de cinco novas organizações não governamentais de Angola, Moçambique e Timor-Leste: o Centro de Estudos Moçambicanos e Internacionais (CEMO), os angolanos Maka Angola, OMUNGA e SOS Habitat e o Fórum das ONG de Timor-Leste (FONGTIL) são as mais recentes adesões a um movimento que, desde o seu lançamento, há pouco mais de duas semanas, não parou de crescer.

Não é difícil perceber porquê. A Guiné Equatorial, que pretende com a adesão à CPLP branquear a reputação de um dos regimes mais brutais do continente africano, não cumpre requisitos mínimos de entrada na comunidade de língua portuguesa. Não é só o facto de no país ninguém falar verdadeiramente o português. Eis a síntese da Human Rights Watch: «A Guiné Equatorial continua atolada na corrupção, na pobreza e na repressão sob o Presidente Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, que está no poder desde 1979. Vastas reservas petrolíferas financiam vidas de luxo para a ínfima elite que rodeia o Presidente, enquanto a maior parte da população vive na pobreza. O governo recorre regularmente à tortura e às detenções arbitrárias. Jornalistas, grupos da sociedade civil e membros da oposição política enfrentam pesada repressão governamental. Até à data, o Presidente Obiang e a sua família estão no centro de múltiplas investigações de corrupção no estrangeiro».

Por qualquer critério objetivo, a Guiné Equatorial não cumpre os critérios de respeito pelo «primado da paz, da Democracia, do Estado de Direito, dos Direitos Humanos e da justiça social» previstos nos estatutos da CPLP. Mas é este regime, perseguido pela Justiça em França ou nos EUA (onde se apresaram carros e outros bens de luxo da família presidencial no valor de milhares de milhões de euros), que se quer agora acolher na Comunidade de Países de Língua Portuguesa. E é isto que faz reagir organizações cívicas e cidadãos. «Move-nos a nossa própria experiência de luta pela libertação e independência de Timor Leste, período durante o qual fomos vítimas da violação dos Direitos Humanos», explica Guilherme Soares, da FONGTIL, uma das mais recentes adesões à campanha. «As nações que pretendam aderir à CPLP ou a outros organismos semelhantes, devem primeiro melhorar a sua atuação no campo do respeito pelos Direitos Humanos».

É isto que é necessário: que a CPLP seja feita pela vontade dos seus 230 milhões de cidadãos partilharem valores; não pela cobiça dos seus líderes partilharem negócios e proveitos sujos. «Poderá parecer um preciosismo estar preocupada com esta questão», reconhece hoje Marina Costa Lobo, no Jornal de Negócios. «A Europa arde, Espanha desequilibra-se, Portugal definha, porque não se há-de encorajar a entrada de um país em crescimento na Comunidade de Língua Portuguesa? É precisamente devido ao declínio efectivo e anunciado da Europa que a CPLP se torna mais importante», explica a politóloga.

Mais do que a adesão da Guiné Equatorial, está em causa a Comunidade que queremos – sobretudo em tempos difíceis, sobretudo em tempos de crise. Em qualquer dos países de língua portuguesa, a liberdade e a democracia são conquistas recentes e sofridas. São conquistas frágeis. Estamos mesmo dispostos a pô-las em causa, a troco de uns barris de petróleo?

 

Vê o vídeo sobre o apresamento do parque automóvel dos autocratas da Guiné Equatorial

 

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