Democracia, Europa e corrupção

Por António Pedro Dores, presidente da Assembleia Geral da TIAC

Nas últimas semanas e sobretudo nos últimos dias chegaram notícias que merecem alguma reflexão. A propósito das eleições para o parlamento grego marcadas para dia 17 de Junho de 2012, correram notícias obviamente falsas, mas noticiadas pela esmagadora maioria dos órgãos de comunicação social europeus, sobre a escolha principal dos eleitores gregos: ficar ou não ficar no euro e na União Europeia.

A comunicação social, perdoe-se-nos a generalização, fez campanha nas eleições gregas pela interpretação dominante dos burocratas e diplomatas europeus, em as citar e à revelia das formulações expressas pelos partidos gregos dominantes, ambos a favor do euro e da União Europeia. A Srª Merkel e os seus apaniguados decidiram intervir nas eleições gregas ameaçando o Estado grego com a expulsão – ilegítima, caso se viesse a concretizar – do euro e da UE, como se houvesse quem seja o “dono da bola”. A edição alemã do Financial Times levou este tipo de propaganda ao interior da Grécia de forma muito directa, apelando ao voto na Nova Democracia, na véspera das eleições, depois de finda a campanha eleitoral.

Alguns meses atrás os órgãos de soberania gregos foram ultrapassados por uma iniciativa política europeia que foi capaz de colocar como primeiro-ministro um senhor da confiança dos mercados, o Sr. Papademos, na sequência de um anúncio frustrado de um referendo sob a mesmíssima questão que agora foi introduzida na campanha pelos poderes políticos dominantes e de legitimidade discutível. O então primeiro-ministro, Sr. Papandreo, legítimo representante do partido mais votado, desapareceu da vida política.

Que moral pregarão os poderes difusos, em geral simbolizados na figura da Srª Merkel e dos mercados, quando se mobilizam para castigar as más práticas de governação gregas – ou de outros países – e se comportam deste modo? O que os levará a apoiar os partidos que instalaram a má governação e a corrupção na Grécia, contra alternativas de poder que são estigmatizadas como anti-europeias (sem que isso corresponda a nenhuma vontade expressa dos estigmatizados, mas antes a uma ameaça mediática de expulsão cuja oportunidade e legalidade não estão previstas)?

Em Portugal, o debate dos cruzamentos da corrupção com a política têm passado sobretudo pela autarquias, embora os volumes de dinheiro que circulam nessa área do Estado sejam muito inferiores aos que são mobilizados pelos ministérios e pelas empresas públicas. Alguns presidentes de Câmara, sobretudo, tornaram-se figuras corruptas reconhecidas publicamente, mas raramente penalizadas politicamente por isso, por parte dos eleitores. O que tem sido referido pelos activistas anti-corrupção como um problema cultural e político relevante no âmbito das suas campanhas anti-corrupção.

O que dizer, então, do apoio político dos poderes fácticos e mediáticos europeus a partidos responsáveis pela instalação de sistemas de corrupção a nível nacional, na Grécia? Qual é a lógica da intromissão da CE, do BCE e do FMI – e dos media internacionais – na vida financeira dos países mais desregulados da UE se não é também para combater a corrupção através de reformas estruturais?

Que maior integração política na UE se estará a querer organizar se em vez de serem os povos europeus a terem direito a voto nas instituições que de facto mandam na União, como o parlamento alemão ou o parlamento francês, são os burocratas sem rosto e sem legitimidade política transparentemente adquirida a intervirem nas votações políticas de países assim menorizados?

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