Por João Paulo Batalha, membro da Direção da TIAC
A Guiné Equatorial está a cumprir, “à risca”, os critérios de adesão à CPLP. Pelo menos é esta a impressão do diretor-executivo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (sim, isso existe). Segundo uma notícia da Radiotelevisão Cabo-verdiana, Gilvan de Oliveira entende que os argumentos do movimento Por uma Comunidade de Valores (de que a TIAC é membro fundador) contra a adesão do regime de Teodoro Obiang Nguema à CPLP precisam de ser revistos.
A notícia é, infelizmente, escassa em pormenores. O que sugere, no entanto, é que o diretor-executivo do IILP, fiel a um espírito burocrático próprio de funcionários zelosos, confunde papéis carimbados em boa ordem (mesmo que carimbados por um dos piores ditadores africanos) com reformas concretas.
É verdade que Obiang decretou o Português como língua oficial da Guiné Equatorial (a somar ao castelhano e francês). Mas ninguém no país a fala. É verdade que aprovou um plano de difusão da língua. Do qual não se vê tradução no terreno. É até verdade que se deu ao trabalho de contratar um professor de português que lhe dá, segundo consta, aulas particulares – às quais mais nenhum equato-guineense tem acesso.
No que toca às questões de democracia e direitos humanos (que, sejamos claros, são o que mais interessa), é verdade que a oposição está representada no Parlamento – com um deputado, em 100!, o que dá ao partido de Obiang maiorias semelhantes às que o próprio Presidente tem alcançado nas suas sucessivas reeleições, unanimemente consideradas fraudulentas por todas as instituições internacionais.
É verdade que Obiang é livre, na Guiné Equatorial, de fazer o que quer e lhe apetece – e é o que faz, incluindo desviar milhares de milhões de euros em receitas do petróleo e outras riquezas de uma nação que aparece nos rankings da Transparency International como uma das mais corruptas do mundo – e nos rankings de desenvolvimento humano como uma das mais pobres do planeta (136º lugar, em 187 países). De facto, as liberdades e os privilégios de que o Presidente goza, poucos mais no país (e nenhum, fora do círculo do poder) as usufruem. Contra isso, pode o seu Governo decretar o que entender, para apreço de funcionários da CPLP; qualquer um vê que o que este regime diz vale pouco. Vale nada.
Dito de outra maneira, “A proclamação por decreto de que o Português passaria a ser língua oficial ou as demonstrações pouco convincentes de conformidade da Guiné Equatorial com as exigências internacionais em matéria de direitos humanos e participação democrática indicam que os responsáveis equato-guineenses acreditam ser possível convencer a Comunidade com base em declarações de intenção, mais do que em realizações concretas”. Não sou eu que o digo. É o embaixador Luís Fonseca, no relatório da missão que liderou à Guiné Equatorial, no ano passado – uma missão que integrou, curiosamente, o zeloso diretor-executivo do IILP.
Se Teodoro Obiang Nguema fosse um país, seria um país próspero, feliz e generoso para com os seus amigos. Mas a questão é precisamente esta: Teodoro Obiang Nguema não é um país. É um homem que tomou um país de assalto, reservando para si as riquezas que pertencem por direito ao povo que ele explora e oprime.
Infelizmente, esta distinção elementar passa teimosamente despercebida a muitos. As declarações recentes do Presidente de Cabo Verde, reconhecendo que a adesão da Guiné Equatorial “é apetecível” para os interesses económicos dos restantes países da CPLP, são talvez sinceridade a mais para estômagos sensíveis. Portugal conheceu recentemente o embaraço de ter de explicar ao povo líbio porque razão andava alegremente a fazer negócios com o ditador que os roubava e oprimia. Aparentemente, nenhuma lição daí se tirou, mesmo quando países como a França e os EUA estão a dar caça aos ganhos ilegais de Obiang e os seus protegidos. Nada disso conta. Para as autoridades do meu país – e aparentemente, dos outros países da CPLP – Teodoro Obiang Nguema, o autointitulado “El Jefe”, é a Guiné Equatorial. O povo equato-guineense, supõe-se, serve só para fazer cenário.
Quem acredita numa comunidade lusófona feita de valores partilhados, e não de saques partilhados, não acredita nisto. Não acredita nas promessas de reforma de um regime sangrento. Nem acredita nos que zelosamente fingem acreditar nele.
Algo vai mal no Reino da CPLP
Algumas declarações vindas a público nos últimos dias sobre o assunto deixam entender que, na sua próxima cimeira em Maputo, os Chefes de Estado da CPLP não vão fazer caso da opinião pública dos seus países quanto à admissão da Guiné Equatorial. Tampouco farão caso das exigências estatutárias quanto ao respeito pelos direitos humanos, a liberdade e a democracia. Farão de conta que Teodoro Obiang é um governante legitimado pelo voto popular, que gere com seriedade os recursos do seu país e que, com o seu perfil, poderia estar tranquilamente sentado na presidência de qualquer Estado da CPLP.
O Presidente de Cabo Verde declarou que uma das razões que justificam a sua entrada é o facto de ter um recurso “apetecível” aos oito países: o petróleo.
O Secretário Executivo da CPLP vem agora dizer que a Guiné Equatorial tem estado 8 anos à espera de entrar na CPLP porque os Chefes de Estado não têm feito uma avaliação positiva do cumprimento dos critérios de pertença por parte da Guiné Equatorial.
Mas agora espera que a sociedade civil respeite a decisão dos Chefes de Estado, escusando-se a dizer, a poucas semanas da Cimeira, se esses critérios foram preenchidos.
Significa isso que os Chefes de Estado vão concluir que a Guiné Equatorial cumpriu as exigências que foram feitas em Luanda em 2010 para ser aceite como membro de pleno direito?
Desde essa altura ficou mais democrática? Deixaram de ser violados os Direitos Humanos? As enormes riquezas do país deixaram de ser açambarcadas pela família Obiang? Quantos guineenses equatorianos falam o português?
Que continue a existir a pena de morte na Guiné Equatorial não é problema. Tampouco será problema que o filho do ditador, recém-nomeado pelo pai próximo presidente da Guiné Equatorial, esteja com um mandado de captura internacional por corrupção e lavagem de dinheiro. Ou que lhe tenha sido arrestada a sua mansão de luxo nos Estados Unidos. Nem mesmo que o seu Ministro da Presidência esteja sob investigação criminal em Espanha por suspeita de lavagem de dinheiro. E o facto de o Presidente pretender identificar com um cartão especial todos os portadores do vírus do VIH/Sida, apenas exprime sua profunda preocupação com a saúde dos cidadãos.
Algo vai muito mal no reino da CPLP!