Por Paulo Morais, vice-presidente da TIAC
Cavaco Silva visita Timor para a posse do novo chefe de Estado, na sequência dum ato eleitoral em que Ramos Horta, presidente em exercício, saiu derrotado. Este facto, por si só, já é um sintoma de maturidade democrática. Mas a nota de maior ineditismo para um país lusófono e tão jovem reside no facto de dois ministros do atual governo estarem a contas com a justiça.
O julgamento de dois membros de um governo em exercício é inédito na comunidade lusófona. Duvido que tal fosse possível em Portugal. O Parlamento timorense em nenhum momento hesitou, suspendeu a imunidade aos dois governantes através duma votação esmagadora. O Parlamento parece querer permitir que se faça justiça.
A existência de processos judiciais contra dois dos ministros mais poderosos, envolvidos em casos de corrupção, pode ter uma dupla interpretação: a disseminação de práticas condenáveis, mas que estão sob a mira da justiça. Assim, o facto de a ministra da Justiça Lúcia Lobato estar acusada de nepotismo, abuso de poder e corrupção, é preocupante. Até porque as acusações estão relacionadas com a construção de escritórios da Conservatória do Registo Civil em vários distritos de Timor-Leste, estando a líder do PSD acusada de favorecer construtores que financiavam o seu partido. É também inquietante que, ao mesmo tempo, o ministro da Administração Interna, Arcanjo Leite, esteja indiciado por corrupção. Mas caberá agora aos Tribunais fazer justiça. Convém que as sentenças, quaisquer que elas sejam, não deixem qualquer reserva ou suspeição de favorecimento ou até de perseguição.
Para além duma justiça aparentemente atuante, também tem havido um enorme esforço de aumento de transparência por parte das autoridades timorenses. O novo portal da transparência permite que os cidadãos conheçam em cada momento as receitas arrecadadas e as despesas efetuadas pelo seu governo. E a disseminação de toda esta a informação relevante na internet incentiva a que académicos, políticos, empresas, grupos de cidadãos ou simples curiosos possam em cada momento escrutinar o modo de governação. E isso é claramente positivo, pois a transparência é uma das vacinas para a corrupção.
Mas, por outro lado, temos de estar alerta. Na sua tomada de posse como presidente da conferência episcopal timorense, D. Basílio do Nascimento denunciou a corrupção como um dos grandes males de Timor. É, de facto, estranho que num país com tanta riqueza natural, os mais desfavorecidos continuem na penúria e na indigência e não se lhes garanta uma perspetiva mais risonha para as suas vidas. A perceção do bispo de Baucau, alicerçada na sua experiência no interior do território, é acompanhada pelos indicadores internacionais. Em Timor, o CPI (Índice de Perceção da Corrupção) apresenta um score baixíssimo (2,4), colocando o país no 143.º lugar da tabela, numa total de 178 países.
Estes são os sinais preocupantes. E a legislação timorense não ajuda também. É de inspiração e matriz portuguesa, os diplomas têm pois muitas regras, a legislação é extensa e complexa. Sendo o povo timorense na sua maioria iletrado, a legislação torna-se incompreensível. Em sociedades de baixa formação, legislação extensa e complexa prejudica os mais desfavorecidos que não conseguem perceber e utilizar os instrumentos que as leis lhes conferem para se defender. E, por outro lado, beneficia os poderosos, que, bem assessorados pelos melhores advogados, conseguem fazer valer, mais do que a justiça, os seus interesses pessoais.
Em síntese, os sinais são contraditórios em Timor. A corrupção tende a instalar-se, mas a sociedade parece dispor de mecanismos para a combater. É pois o momento para uma forte militância anti-corrupção neste jovem país lusófono. Esta deveria ser a principal mensagem para Cavaco Silva levar consigo. Para que a jovem nação que é Timor não repita, na próxima geração, os erros que o Estado português tem cometido nos últimos anos. Basta que o Presidente da República convença os líderes timorenses a não pactuar com a corrupção. Mas quem é Cavaco Silva para dar conselhos nesta matéria?
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No que toca à corrupção os políticos timorenses tiveram excelentes professores: Licenciaram-se com os portugueses e fizeram o doutoramento com os indonésios.E também estagiaram com o José Eduardo dos Santos.
E ao que parece, foram todos alunos de 20 valores!!!
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Na verdade, ministros lusófonos a atravessar porcessos de corrupção é caso para tecer loas infinitas… boas lições dali devíamos retirar. No Brasil, apesar de tudo, já houve uns julgamentos políticos pesados, com o afasamento pela Presidente de uns quantos ministros, embora sem consequência judiciais, o que é grave…agora o que realmente me agrada neste artigo é a ponta do véu que se levanta na última frase escrita… corrupto é sem dúvida o estatuto de um presidente da república com as negociatas que conhecemos em torno das acções do BPN e da sua casa na vizinhança dos capos mafiosos do mesmo grupo empresarial…atinjimos um estado de tal tolerância colectiva a estes basbaques que não vejo qualquer possibilidade de regenerar o “sistema”…
O autor está concerteza com poucos dados sobre o combate anti-corrupçao em Timor-Leste. Não há ministro da administraçao interna em TL, por exemplo! Mas uma coisa é de realçar que o quadro legislativo de TL vem sendo feito sob influência portuguesa, masi do tipo *copy-paste* por inexperientes alegadamente juristas, em gabinetes fechados ou ocultos! Mas mesmo assim, o caminho anti-corrupção está muito a frente de Portugal, por exemplo, onde nunca um ministro foi parar a uma sala de audiência por atos de corrupção no desempenho das suas funções públicas!
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