O que tem de mudar no combate à corrupção

O estudo Sistema Nacional de Integridade, lançado esta semana pela TIAC, não se limita a apontar as falhas do combate à corrupção em Portugal. Para que as coisas mudem, é preciso adotar medidas concretas, baseadas numa cultura de transparência total e de tolerância zero no combate ao crime. Por isso mesmo, o estudo faz dezenas de recomendações práticas. Estas são as principais:

Sistema Político
– A Comissão de Ética da Assembleia da República deve ter um papel mais ativo na fiscalização dos registos de interesses e conflitos de interesse de deputados e membros do Governo.
– O Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos deve ser alargado aos membros dos gabinetes ministeriais. Deve ainda ser revisto de modo a ter em conta as Parcerias Público Privadas, que tornam obsoleto o período de nojo de três anos para a passagem dos cargos públicos para o setor privado.
– Os perfis/CV (completos) dos membros do Governo e demais cargos públicos devem ser disponibilizados na íntegra, não incluindo somente as funções públicas exercidas, mas qualquer cargo ou atividade exercida no setor privado.
– A lei de financiamento de campanhas e partidos políticos deve ser simplificada, melhorando a informação prestada pelos partidos políticos e a sua análise pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

Sistema Administrativo
– Deve fazer-se uma verdadeira «despartidarização» da Administração Pública e do setor empresarial do Estado, alterando o número de cargos e as regras de nomeação dos dirigentes.
– Todos os organismos públicos (incluindo institutos, fundações, empresas públicas, entidades reguladoras e pessoas coletivas beneficiárias de dinheiros públicos) devem disponibilizar, num formato inteligível e em tempo útil, os seus relatórios anuais de atividades, plano e orçamento e todas as informações referentes à sua situação financeira, para consulta pública.
– O atual sistema de coordenação das inspeções-gerais com o Ministério Público (MP) deve ser reformulado, criando mecanismos céleres e imediatos de comunicação de crimes por parte da Administração Pública ao MP e de auxilio prioritário a este organismo no âmbito dos inquéritos criminais, acompanhados das necessárias sanções disciplinares e/ou criminais em caso de incumprimento.

Sistema Judicial
– Deve ser implementada uma reforma completa da Justiça para o século XXI, com particular ênfase na promoção da transparência e no combate à corrupção, nomeadamente pela criação de um website abrangente sobre a Justiça Portuguesa, incluindo informações sobre a atividade das várias instituições envolvidas (Ministério Público, Tribunais, etc.) e que contenha, nomeadamente, os seguintes elementos:
1. Estatísticas mais detalhadas sobre o andamento de processos e da Justiça;
2. Disponibilização sistemática e organizada das decisões judiciais (acompanhadas da identificação dos arguidos/réus);
3. Disponibilização sistemática e organizada dos despachos finais de inquérito do Ministério Público;
4. Disponibilização das decisões de processos disciplinares sobre magistrados judiciais.

– Os mecanismos de prevenção devem ser melhorados, nomeadamente por uma melhor publicitação do website de denúncias da Procuradoria-Geral da República, pela criação de gabinetes de intelligence, pela análise integrada da informação recolhida a nível nacional pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal e pelo fomento da realização de averiguações preventivas dentro dos trâmites legais.
– Os organismos de investigação devem ser dotados com os meios especializados e formados necessários a um eficaz combate da corrupção.
– O Ministério Público deve assumir um papel mais ativo na investigação de crimes eleitorais, de declarações patrimoniais de titulares de cargos políticos e altos cargos públicos e das contas de partidos e campanhas políticas.
– Deve ser feito um investimento na reorganização judiciária e em tribunais especializados em corrupção e criminalidade económico-financeira.
– Deve ser descriminalizada a difamação, na medida em que constitui um obstáculo efetivo à denúncia de casos de corrupção.

É também recomendação da TIAC a criação de uma agência especializada de combate à corrupção que reúna competências de investigação, prevenção, prossecução criminal e educação. Este novo organismo permitiria criar uma estrutura única de combate à corrupção, com todos os benefícios daí decorrentes.

Setor Empresarial, Sociedade Civil e Comunicação Social
– Deve ser feito um investimento na sensibilização do Setor Empresarial para o fenómeno da corrupção e as suas desvantagens, desde ações visando diretamente as empresas, novas práticas de corporate social responsibility ou até a inserção de cadeiras de ética no âmbito das licenciaturas.
– Deve ser reforçado o papel das estruturas fiscalizadoras no âmbito da Sociedade Civil (Conselho Fiscal e/ou Conselho Consultivo e Mesa da Assembleia-Geral); estabelecimento de obrigação estatutária de publicação, em suporte digital, de relatórios anuais; estabelecimento de obrigação estatutária de publicação periódica de dados e resultados operacionais; reforço da exigência de prestação de contas por todos os stakeholders.
– Devem ser mais bem demarcados os espaços de intervenção nos media, para que os conceitos de comentador e jornalista se tornem mais claros para o público; atendendo à passagem frequente de profissionais da área do jornalismo para assessorias políticas e vice-versa, deve ser instituído um «período de nojo» entre a passagem de um cargo para o outro; deve ser repensado o modelo de eleição dos membros do Conselho Regulador da ERC, de forma a melhorar a legitimidade percebida dos mesmos.

O combate à corrupção não se faz com discursos e promessas vagas. É precisa ação concreta, concertada e eficaz. É esse o objetivo das recomendações do estudo Sistema Nacional de Integridade. Cabe-nos agora pressionar os nossos líderes a adotarem as recomendações – e passarem finalmente das palavras aos atos.

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