Por Marcelo Moriconi, sociólogo, investigador do CIES-IUL e co-coordenador do estudo Sistema Nacional de Integridade
Segundo os dados do Barómetro da Qualidade da Democracia apresentado pelo Instituto de Ciências Sociais (ICS-UL), os portugueses consideram que a corrupção é um dos maiores problemas da democracia nacional e um dos fenómenos que mais contribuiu para que a crise atual se tenha consolidado.
E tal como sentem a crise, os portugueses sentem cada vez mais o peso da corrupção. Porque desvia dinheiro para fins ilícitos e inflaciona o custo das obras e serviços públicos, a corrupção é um fardo sobre a despesa pública que obriga ao aumento dos impostos sobre os cidadãos e as empresas. E para além do impacto negativo na economia, a corrupção degrada a qualidade de vida dos cidadãos, porque distorce os sistemas de redistribuição e o acesso aos serviços públicos. Num sistema permeável aos subornos, são os mais vulneráveis que mais sofrem: quem não tem dinheiro para comprar acesso aos benefícios públicos não tem alternativa senão sujeitar-se àquilo que lhe sobrar depois dos poderosos se terem servido.
Em teoria, as democracias têm regras e mecanismos institucionais que evitam que a corrupção se expanda a níveis incomportáveis: eleições universais, livres e justas; liberdade de expressão, associação, manifestação; pluralismo partidário, competição eleitoral e alternância no poder; uma série de contrapesos e garantias constitucionais; um sistema de justiça equitativo, imparcial e eficaz; mecanismos de auditoria das contas públicas; organismos que assegurem o respeito dos direitos dos cidadãos perante a sua administração; uma comunicação social livre e atenta ao exercício do poder; um mercado regulado e responsável; e uma cidadania informada, formada e exigente. Todos estes mecanismos constituem os pilares fundamentais de um Sistema Nacional de Integridade (NIS – National Integrity System).
O NIS é uma estrutura organizada, complexa e multi-setorial constituída por pilares institucionais com um papel relevante, direta e indiretamente, na prevenção e no combate à corrupção. Estes pilares são: a Assembleia da República; o Governo; os Tribunais; a Administração Pública; o Ministério Público e Organismos de Investigação Criminal; a Comissão Nacional de Eleições; o Provedor de Justiça; o Tribunal de Contas; os Organismos Especializados de Combate à Corrupção; os Partidos Políticos; a Comunicação Social; a Sociedade Civil e o Setor Empresarial.
Na prática, o funcionamento destes pilares não tem sido exemplar, permitindo que a corrupção continue a manifestar-se com bastante vigor e frequência, por vezes com consequências devastadoras para a estabilidade e legitimidade do Estado de Direito democrático.
A avaliação do Sistema Nacional de Integridade português surge de um projeto europeu liderado pela Transparency International (TI) e que se realiza ao mesmo tempo em 25 países europeus. O estudo adota uma abordagem holística de análise e combate ao fenómeno da corrupção. Esta abordagem visa compreender a corrupção não só como um fenómeno criminal, conforme é encarado pelas convenções internacionais e legislação sobre o assunto, mas também como um fenómeno político, social, económico e cultural.
O objetivo geral deste estudo é o de avaliar a extensão e as causas da corrupção num determinado país, assim como a eficácia dos esforços nacionais de combate à corrupção, através de uma extensa análise documental e entrevistas a atores privilegiados (na academia, na administração pública, na esfera política, no setor empresarial, na comunicação social e na sociedade civil).