Por Luís de Sousa, presidente da TIAC
Hoje, é recorrente ouvir falar-se de desempenho dos regimes democráticos ou de “qualidade da democracia”.
A corrupção foi um dos fenómenos que nos últimos anos mais alimentou a crescente preocupação com a qualidade ou as qualidades da democracia. Passou de um assunto de menor porte, tratado no rodapé dos jornais, para se tornar numa manchete de sucesso.
A contínua exposição pública de casos de corrupção envolvendo altas figuras do Estado, mas também a cobertura extensiva do modo como a classe política tem reagido (ou não) ao fenómeno, abalou uma opinião pública que durante anos ignorou por completo o problema.
Porque, sejamos claros, nem sempre a corrupção provoca indignação. Se em tempo de “vacas gordas” os cidadãos fecham os olhos a práticas e comportamentos da classe política, considerados “pequenos caprichos do poder” e perfeitamente toleráveis; num contexto de crise económica, a diminuição do “bem-estar” produz na opinião pública atitudes hostis em relação aos políticos, partidos e instituições representativas e uma condenação generalizada do fenómeno da corrupção.
Segundo o Barómetro Global da Corrupção da Transparency International de 2010, 83% dos portugueses considera que os níveis de corrupção aumentaram em Portugal nos últimos três anos. Este agravamento das perceções resulta, por um lado, de uma maior e mais frequente exposição mediática de escândalos de corrupção envolvendo líderes políticos e altas figuras do sector financeiro; e por outro lado, de uma percetível ineficácia do combate a estes crimes.
De facto, são cada vez mais os portugueses que consideram ineficaz a luta contra a corrupção por parte do governo, passando de 64% em 2007 para 75% em 2010.
A par disto, temos o descrédito da Justiça. Os resultados do inquérito “Corrupção e Ética em Democracia: O Caso de Portugal”, de 2006, apontam esta perceção generalizada de inoperância e de dualidade de critérios que provoca sentimentos de injustiça social e de impunidade. De um modo geral, os portugueses consideram que a Justiça é pouco severa com os membros do Governo (87,2%), deputados da Assembleia da República (85,3%), dirigentes desportivos (85,2%) e Presidentes de câmara (78,7%). Os gestores de empresas integram também este grupo, ainda que com um valor menos acentuado (72,9%). O Eurobarómetro realizado em Setembro de 2009 corrobora estas perceções sobre a ineficácia da Justiça: 70% dos portugueses consideram que as sentenças dos tribunais em casos de corrupção são pouco severas.
Não são perceções infundadas. As conclusões do projeto “A corrupção participada em Portugal 2004-2008. Resultados globais de uma pesquisa em curso”, comissionado pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal da Procuradoria Geral da República, corroboram o fraco desempenho do aparelho repressivo no combate à corrupção: 53,1% dos processos instaurados entre 2004-2008 foram arquivados; somente 14 casos, isto é, 1,7% do universo global de 838 processos em análise resultaram em condenações. E do baixo volume de condenações transitadas em Tribunais de Primeira Instância, poucos são os condenados que cumprem pena de prisão efetiva.
Estas fragilidades têm um impacto direto na qualidade da democracia. Numa escala de 1 a 5 (em que 1 é nada corrupto e 5 é visto como muito corrupto), o Barómetro Global da Corrupção de 2010 dá as piores classificações do ponto de vista da ética aos partidos políticos (4,2), seguidos do parlamento (3,7) e do sector privado (3,6), ambos acima da média da UE. Estes resultados refletem a perceção que os cidadãos têm sobre os tipos de corrupção com maior impacto na legitimidade e eficácia do sistema democrático.
Na atual conjuntura, crise económica, política e institucional tornaram-se nos elementos dominantes. Mas nem tudo é mau: o imperativo ético em democracia passou a fazer parte do léxico da opinião pública e dos debates e reformas políticas que agora se discutem. Resta saber se as abordagens da classe política – e as reações da sociedade civil – estão à altura do desafio.
Outro discurso recorrente por estes dias é o que nos diz que devemos sair da nossa “zona de conforto” na forma como enfrentamos a crise. É um bom conselho. Num país adormecido, que durante anos deixou triunfar a opacidade e a corrupção, está na hora de políticos, empresários e cidadãos enxotarem a complacência e assumirem o desconforto de um sistema que privilegia alguns, em detrimento de quase todos.
Nunca desistam. Muito Obrigada.
Obrigado nós, cara Fernanda, pelo seu apoio! Este é um combate em que todas as vozes são necessárias. A corrupção só triunfa quanto tem a cumplicidade dos silêncios resignados. Cada palavra lançada contra este estado de coisas é um contributo para a mudança.
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