Eficaz gestão dos dinheiros públicos – Missão cumprida?

Por Sara Muacho, jurista

O Código dos Contratos Públicos transpôs para a nossa legislação um conjunto de Diretivas Comunitárias em matéria de contratação pública. Consagrando princípios como a transparência, a igualdade e a concorrência, visa alcançar uma gestão eficaz dos dinheiros públicos e uma maior integração do mercado único.

Numa altura em que ninguém discute a urgência indispensável de controlar a despesa pública, é essencial criar mecanismos de controlo apertados e adequar o regime legal para alcançar estes princípios.

No que toca à boa gestão do dinheiro dos contribuintes, subjacente a toda a filosofia do Código dos Contratos Públicos, destaca-se aqui o mecanismo adotado para combater os preços considerados anormalmente baixos, como corolário do princípio da concorrência.

Defender a livre concorrência, como lembra a Lei Orgânica que institui a Autoridade da Concorrência (Decreto-Lei 10/2003, de 18 de Janeiro), é assegurar “o funcionamento eficiente dos mercados, a repartição eficaz dos recursos e os interesses dos consumidores”, propiciando portanto um justo equilíbrio em termos de preços e quantidades transacionadas, maximizando o bem-estar e os interesses dos consumidores.

As Diretivas comunitárias – e no âmbito nacional o Código dos Contratos Públicos – têm estabelecido normas mínimas no regime da contratação pública para garantir a escrupulosa defesa da concorrência, afirmando princípios como a transparência e a não discriminação.

Efetivamente, a transparência dos processos de adjudicação é fulcral para garantir que o Estado obtenha os melhores preços e os melhores serviços do mercado em termos de preço e qualidade, fomentando assim a eficiência do investimento público.

É nesta senda que surge o conceito do preço anormalmente baixo, em que sumariamente se estipula a não adjudicação (pelo menos sem que a mesma seja devida e objetivamente fundamentada) de propostas cujos preços contratuais se situem abaixo de uma determinada percentagem em relação ao preço base fixado pela Entidade Adjudicante.

Atendendo à “mens legis” do conceito do preço anormalmente baixo, contido no Artigo 71º do Código dos Contratos Públicos, pode afirmar-se que a mesma pretende, em termos gerais, evitar adjudicações a preços demasiado baixos que possam vir a revelar-se demasiado onerosas para as Entidades Adjudicantes, em decorrência da eventual impossibilidade do cumprimento, seja ele em termos qualitativos ou quantitativos.

É certo que a salvaguarda dos interesses públicos poderia sempre ser alcançada ao abrigo de outras medidas eventualmente mais eficazes, como por exemplo a exigência de garantias bancárias adicionais em casos de preços anormalmente baixos, que pudessem, em alternativa à exclusão, garantir a execução da prestação contratual. Mas não se pretende aqui discutir a justeza desta medida legislativa.

A par do preço anormalmente baixo, o que interessa discutir é uma prática verificada no seio da contratação pública nacional, a que se pode chamar “preço anormalmente alto”.

As ações de auditoria a procedimentos de contratação pública verificaram a utilização reiterada de critérios de adjudicação em que o fator do preço – normalmente com uma elevada ponderação – está calculado em função de fórmulas que privilegiam a apresentação de preços mais elevados (tendencialmente próximos do limiar do preço base fixado), em detrimento de outros preços mais baixos e portanto mais concorrenciais – que, sublinhe-se, ficam acima do limiar a partir do qual se considera existir um preço anormalmente baixo.

Ora, esta prática, fruto da criatividade das “nossas” entidades adjudicantes e que permite que preços mais elevados sejam beneficiados, poderá consubstanciar uma prática altamente anti-concorrencial, na medida em que poderá ter subjacente uma preferência da Entidade Adjudicante por um determinado segmento do mercado, desvirtuando assim impunemente o desejado equilíbrio entre o preço e a qualidade.

Urge uma reforma do nosso regime de contratação pública! Um tema que fica à reflexão dos nossos legisladores.

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Um comentário a Eficaz gestão dos dinheiros públicos – Missão cumprida?

  1. Compreendo a preocupação com “o preço anor­mal­mente baixo” pelos casos que conhecemos de alguém que ganha um concurso para obras, e depois acaba por conseguir que o valor pago exceda o contratado através de alterações ao projecto. Mas esta norma não prevê o caso de inovações tecnológicas que permitem de facto preços muito mais baixos que os até aí existentes. Por exemplo, o software de código aberto, que tem um modelo cooperativo, e que tem como modelo de negócio os serviços, é “anormalmente baixo” quando comparado com outras alternativas com um modelo de negócio assente no licenciamento de software. Deve a lei impedir, ou não tirar partido, da inovação?

    Seria no meu entender muito mais eficaz a criação de um registo Nacional de Fornecedores no qual as Entidades Adjudicantes colocassem a sua classificação dos serviços ou produtos fornecidos, que ajudasse à sua seleção em concursos futuros, e que em caso de incumprimento dos preços servisse para impedir o fornecedor de concorrer por um prazo limitado

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