Por Carlos Pimenta, presidente do Observatório de Economia e Gestão de Fraude e membro da Direcção da TIAC
Terminámos o texto anterior, afirmando:
Assim é porque o sistema económico, social e ideológico dominante nos últimos trinta anos criou um conjunto de fatores permissivos e impulsionadores da fraude, da corrupção, da economia não registada e do branqueamento de capitais.
Aproveitemos o breve espaço destas linhas para recordar alguns desses fatores permissivos.
- Sobredeterminação económica do político
Reconhecendo que o Estado é uma expressão política da correlação de forças social, e que o económico sempre influenciou a sua organização e o seu funcionamento, o Estado sempre teve uma grande autonomia de ação, permitindo concretizar o controlo do económico pelo político. Controlo que passava pela definição de objetivos de longo e curto prazo, pela intervenção direta nos mercados (mercado de trabalho, mercado de câmbios e outros), pela política económica, pela inserção do país nas relações internacionais. Reservava para si algumas funções fundamentais, que eram epítetos indispensáveis da sua soberania, tais como a produção de leis, enquadradoras e influenciadoras da economia, e a emissão de moeda. Podemos dizer que predominava uma influência do político sobre o económico e uma sobredeterminação política do económico.
Com o deliberado enfraquecimento do Estado, com o crescimento da importância das multinacionais e a sua difusão à escala mundial na base da liberdade de circulação dos capitais, com a fluidez dos mercados financeiros e as novas regras de financiamento do Estado, enfim com tudo o que tem sido mais vincado na ideologia neoliberal dominante nas últimas décadas, o Estado reduziu muito a sua autonomia, perdendo-a completamente em muitos casos. A sua atividade é crescentemente pautada pelo mundo dos negócios, no qual estão incrustadas as máfias.
Se antes do anos oitenta do século passado se poderia falar em sobredeterminação política do económico, esta tende a ser completamente subvertida, passando para a sobredeterminação económica do político.
Este enfraquecimento da autonomia do Estado permite maior campo de ação dos defraudadores, da fraude fiscal, do crime económico organizado (quantas vezes sob a capa de empresas legais importantes), da ampliação da economia não registada.
- Alteração de valores e tempos de referência
O consumismo intensificou-se. O enriquecimento assume-se como o principal valor social e como vetor dominante das relações interpessoais.
Sem dúvida que outros valores como a solidariedade, os princípios religiosos, a amizade, o respeito pelo próximo, a preocupação com o agregado social, etc. continuaram a existir intensamente em grandes grupos sociais, numa grande quantidade de cidadãos, mas deixaram de influenciar o comportamento dos grupos sociais dominantes, tendendo a atenuar-se, de uma forma genérica.
Podemos afirmar categoricamente que nas últimas décadas houve uma degenerescência das relações éticas, como eram entendidas até então. Talvez possamos mesmo falar numa alteração da ética dominante, assumindo-se como valores centrais o individualismo e a posse de riqueza.
Simultaneamente o futuro pelo qual seremos capazes hoje de nos sacrificarmos reduz-se drasticamente. Assim como no mundo dos negócios o período de referência deixa de ser a década ou o ano – típico da atividade industrial – para passar a ser o trimestre ou o minuto seguinte. Esta redução do tempo de referência tem como base a evolução tecnológica, mas é um tempo construído pela sociedade.
Esta alteração dos valores norteadores do mundo dos negócios e da sociedade e a redução drástica do tempo mobilizador criam condições favoráveis à procura do rápido enriquecimento, seja por que meios forem. É um fator permissivo pelo ambiente facilitador que gera e pela desculpa, “racionalização”, que cria para a fraude. Mas também é, um fator impulsionador.
Todas estas alterações têm efeitos de propagação e contaminação que são acelerados pela velocidade, e mundialização, da informação.
- Degradação da coesão social
Todos os aspetos anteriores tendem a degradar a coesão social, a diminuir a confiança, a promover a informalidade, a gerar o que alguns sociólogos designam por capital social negativo . As relações sociais passam a ser vistas através das relações económicas (o “cidadão” torna-se “contribuinte”) e a defesa da utilidade individual elimina qualquer consideração de sociabilidade.
- Aumento do conflito de interesses
O adensamento das relações sociais permitidas pela mundialização, associada à sobredeterminação económica do político; ao anonimato que o mercado permite, reforçado pela liberdade de circulação dos capitais; a hegemonia económico-financeira das empresas em relação às organizações políticas e o apoio que estas procuram, nacional e mundialmente, para o seu funcionamento; a quase impossibilidade de estabelecer as relações existentes entre as empresas e os capitais – pela facilidade de constituição de empresas, pelo anonimato sobre a quem pertencem, pela existência de paraísos fiscais, pela quantidade de empresas-fantasma – ampliam dramaticamente o conflito de interesses, terreno fértil onde se planta a fraude, incluindo a corrupção.
O financiamento empresarial às campanhas eleitorais, muitas vezes informal e encoberto, o financiamento das instituições públicas pelas empresas que estão interessadas nas decisões que são tomadas e as relações entre as empresas de rating e o capital das empresas que classificam são, provavelmente, os expoentes máximos desta diluição entre o público e o privado, deste adensamento de relações que envolve o legal e o ilegal, o capital legalmente constituído e aquele que resulta de atividades ilegais e do branqueamento de capitais.
Carlos Pimenta escreve de acordo com as regras do novo Acordo Ortográfico
Gostei ddemais do seu artigo, parabéns. 4446849
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Estamos fritos se não abrandarmos o fogo da corrupção!