Por António Pedro Dores, presidente da Mesa da Assembleia Geral da TIAC
O noticiário de uma televisão privada dá conta da incursão de um vigarista que anuncia milhões de euros em quatro empresas com algumas dezenas de trabalhadores. Descapitalizadas as empresas, geridas pelo mesmo dono, procuravam dinheiro de tesouraria quando alguém lhes bate à porta com ar superior e diz: “Eu compro tudo!” Com o jeito que os vígaros têm para explorar as pessoas fragilizadas, transformam mentalmente um contrato de promessa num direito de posse e começam a vender os bens e a tomar conta dos proveitos, ao mesmo tempo que as empresas mantinham a laboração.
É claro que acaba tudo na falência e desempregado. O gestor vigarizado responde perante a justiça e está impedido de trabalhar. O Estado paga os subsídios de desemprego. O vigarista mantém-se activo na compra e venda de tudo a que consegue deitar a mão.
Faz pouco mais de dez anos, eu próprio perguntei a altos responsáveis na Assembleia da República se o nosso ordenamento jurídico não estava demasiado aberto a este tipo de práticas, pois fui vítima de vigarice semelhante, embora em menor escala. Disseram-me que isso era um problema de empresários, eram os riscos da concorrência (?!?). Fiquei com a mesma cara que vi na televisão ao gestor vigarizado, que embora intraduzível em linguagem comum pode corresponder a qualquer coisa como: “Que estúpido que eu sou!”
Por essa altura aconteceu-me ser confrontado com fumos de corrupção num instituto público, que procurei denunciar. Para onde me virava diziam-me não valer a pena, que isso era o pão nosso de cada dia, que me mantivesse uns meses calado para ser possível passar a onda de má vontade contra mim, que as pessoas responsáveis já estavam fartas de ouvir as minhas insistências e não iam voltar a ouvir mais nada. Até me garantiram que os encobridores da corrupção eram gente impoluta. Os trabalhadores empenhados em velar pelos seus direitos entendiam ser aquela algazarra uma luta de poleiros. Por fim virei-me para instituições públicas de defesa do cidadão, tendo obtido o silêncio. Até que um dia, 18 meses depois, aceitei o dinheiro com que me comprometeram em não recorrer aos tribunais.
Não cheguei a testar os tribunais. Faltava-me a energia e um advogado, que não procurei. Recentemente alguém me informou que alguns anos depois da minha saída, numa mudança de dirigentes, verificou-se uma queda de custos na ordem dos 40% no sector que eu tinha querido denunciar. Imagino que também aos novos dirigentes daquele instituto terá faltado a energia e um advogado para incriminarem os ladrões, seus antecessores.
Quando nos anos mais recentes os escândalos de corrupção e as acusações contra os mais altos postos do Estado de conivência ou autoria saem a público perguntei a quem sabia mais do que eu se tinha esperança de uma mudança. Que sim: que estavam tramados! De facto não é isso que os portugueses sentem, hoje. Há um problema com a justiça – e não é pequeno! Mas não será a justiça dos tribunais que resolverá a derrota dos corruptos. Trata-se de uma questão de organização.
Portugal é conhecido como um país desorganizado. Ninguém chega a horas e ninguém prepara reuniões. Tudo é improviso. O desenrasca tornou-se mesmo um desígnio nacional candidato a património imaterial da humanidade. Só traz a coisa preparada quem quer “mandar”. Os políticos e outros malandros…