Por Carlos Pimenta, presidente do Observatório de Economia e Gestão de Fraude e membro da Direcção da TIAC
Cada caso de corrupção é diferente dos outros. Uma tipificação da corrupção, a constatação das semelhanças e das diferenças, a identificação dos objetivos e dos procedimentos permite-nos sempre classificá-las, atribuindo a cada tipo uma determinada designação.
Do ponto de vista formal podemos encontrar manifestações de corrupção desde as épocas de que o Homem tem memória, apesar das diferenças que assumem em cada época e modo de produção. Este esvair-se no tempo é frequentemente explicado por inerência à “natureza humana”.
Quando se passa da constatação do facto para a sua prevenção sabemos que é necessário influenciar a formação e a ética dos cidadãos, atenuar os conflitos de interesse, reorganizar as estruturas económicas, sociais e políticas. É necessário incutir uma atitude de vigilância e combate nos participantes dos meios envolventes.
Esta centragem sobre a corrupção, e muitas vezes quase exclusivamente sobre a corrupção no aparelho do Estado, é indispensável para o seu estudo, a sua deteção e a sua prevenção. Contudo corre o risco de perder de vista o todo em que ela se insere e, dessa forma, tornar menos percetível a sua dinâmica, específica e induzida. Corre-se o risco de não se encontrar as formas adequadas e completas de a combater.
A corrupção, mesmo que assumindo formas aparentemente benévolas e acidentais, está frequentemente associada, a montante ou a jusante, à economia ilegal, que necessita de impunemente se espalhar pela sociedade e assumir formas aceitáveis socialmente. A fraude fiscal, parte integrante da economia subterrânea, envolve uma panóplia de procedimentos, entre quais se encontra a corrupção, ora para ter informação privilegiada, ora para gerar amnésia, ora para manipular procedimentos. A existência desta amplia aquela. A multiplicidade de fraudes das organizações contra os concorrentes, os compradores e os fornecedores, de manipulação bolsista, assim como a utilização de empresas-fantasma, manipulação de preços de transferência e de resultados, também estabelece frequentes elos com a corrupção. A economia ilegal, a economia subterrânea, a fraude fiscal e as outras formas de fraude das organizações, e a fraude ocupacional, todas elas espalhando-se por múltiplos sectores – do bancário ao urbanístico, do comercial ao desportivo – geram inevitavelmente a lavagem de dinheiro. Esta também está estreitamente associada à corrupção, como causa e efeito. A informática e as comunicações aceleram todos estes procedimentos.
Para além desta estreita relação entre corrupção e as diversas manifestações de uma economia ilícita ou antiética, todas estas partes do mesmo processo têm uma dinâmica conjunta, ou não fossem todas elas o resultado da incrustação social de um conjunto de valores e referências, da existência de uma rede de relações pessoais carregadas de informação, de uma malha tentacular de conflitos de interesse.
Enfim, a corrupção e a fraude, a economia não registada e a lavagem de dinheiro constituem um sistema enraizado no funcionamento da globalização e tem uma dimensão universal, pela forma como se entrecruzam e pela unidade dos centros de decisão, pelo domínio crescente de todos estes processos pelo crime económico internacional.
Aquele sistema não abrange toda a economia antiética e é aberto, mas contém o cerne da fraude, em sentido lato.
Enquanto esta totalidade tem uma dimensão universal, a sua deteção é local, fracionada e menos veloz. Os casos detetados são sempre apresentados como fenómenos localizados, quando efetivamente não o são; as estruturas profundas do processo criminoso são sempre salvaguardadas, com capacidade de reprodução nos muitos espaços que não foram atingidos; as forças criminosas não atingidas têm quase sempre a capacidade de recuperar o que foi atingido, quer devolvendo às autoridades uma pequena parte do que ganhou, quer influenciando os centros de decisão, de forma abrupta, como através da corrupção, ou de forma velada (que pode ir da manipulação dos órgãos de informação à conversa amigável durante um jogo de golfe, que pode ir do financiamento informal a uma campanha eleitoral até à manipulação da argumentação através de justificações aparentemente científicas e de fácil aceitação).
É também esta dimensão macrosocial que nos permite compreender que desde os anos oitenta do século passado vivemos uma fase nova da sociedade mundial, que tem conduzido ao agravamento da corrupção, da economia não-registada e da lavagem de dinheiro.
O que está hoje em jogo não é debelar a fraude “típica da natureza humana”, mas o brutal agravamento das últimas décadas, suscetíveis de pôr em causa os princípios civilizacionais que nos norteiam.
Carlos Pimenta escreve de acordo com as regras do novo Acordo Ortográfico
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