Justiça de cavalheiros

Submarinos

Por João Paulo Batalha, membro da Direção da TIAC

A reportagem sobre a compra dos submarinos exibida a semana passada pela televisão pública alemã (e da qual existe uma versão portuguesa de visionamento obrigatório), é um trabalho notável a vários níveis. A investigação do jornalista António Cascais lança luz sobre um processo de aquisição bilionária de equipamento de utilidade duvidosa, negociado ao mais alto nível por Paulo Portas e Durão Barroso – hoje protegidos nos cargos de vice-primeiro-ministro e presidente da Comissão Europeia – e que deixa atrás de si um lastro de opacidade e corrupção.

Mas há mais nesta reportagem, que devia fazer soar sinais de alarme na Europa e, felizmente, está a provocar aceso debate na Alemanha. O que o processo dos submarinos nos ensina é que o poder económico – na Alemanha, o poder industrial e, particularmente, a indústria do armamento – vive num estado de promiscuidade absoluta com o poder político, que torna os responsáveis eleitos em meros delegados comerciais, facilitadores de negócios.

À narrativa de que os países do sul, intervencionados pela troika, andaram a “viver acima das suas possibilidades”, este documentário adiciona outro dado: o milagre económico alemão das indústrias exportadoras, o caso de sucesso que toda a Europa devia imitar tem funcionado em grande medida através de uma cultura predatória, de terra queimada, que através da corrupção força países e povos a engolir despesas inúteis e insustentáveis, que vazam dinheiro dos bolsos dos contribuintes em países como Portugal e a Grécia, diretamente para as contas dos conglomerados alemães da indústria. Num país em que, até há poucos anos, os subornos pagos no estrangeiro eram dedutíveis nos impostos, não venha Merkel sugerir que a corrupção é problema do vizinho.

Os portugueses exigem justiça nos submarinos, mas tudo indica que não nos resta outra opção que não seja chorar sobre o leite derramado. Paulo Portas lá foi finalmente ouvido no processo, oito anos depois de aberto o inquérito. O vice-primeiro-ministro foi ouvido como testemunha e o facto de ter sido o ministro que assinou o negócio e de ter levado consigo milhares de documentos do Ministério da Defesa quando saiu do Governo indicam que, no mínimo, estará bem informado sobre a corrupção que rodeou a compra.

Mas o processo coxeia no Ministério Público, a prescrição não tarda e tudo deverá acabar à portuguesa: em nada. Tal como o processo das contrapartidas, autêntico caso de estudo de cobardia judicial: o tribunal absolveu todos os arguidos, deitou para o lixo o testemunho dos peritos e determinou que cabe ao poder político que criou o problema resolvê-lo, renegociando as contrapartidas. A reportagem da TV alemã mostra como a Ferrostaal andou a arregimentar cúmplices em Portugal para defraudar o Estado, o prejuízo resultante é evidente e indesmentível, mas ninguém tem culpa. Calhou assim.

E chegamos aqui à outra lição deste documentário: em Portugal e na Europa, a justiça é muito simples para os casos complexos. Em Portugal, não podia mesmo ser mais simples: arquivamento, prescrição ou absolvição. Na Alemanha, onde há condenados por corrupção, sempre se avançou mais, mas o processo é nebuloso: por acordo entre acusadores e acusados, houve dois condenados, mas com pena suspensa, e uma multa levezinha de 140 milhões de euros por corrupção na venda de submarinos em Portugal e na Grécia – só o negócio português vale mais de sete vezes isso!

O tribunal de Munique caucionou um acordo de cavalheiros, negociado entre o Estado e o criminoso, que permite ao prevaricador ficar com a parte de leão dos lucros obtidos com o crime e ainda proteger a reputação atrás de uma sentença sigilosa. O acordo permite ao Estado alemão dizer que conseguiu provar a corrupção, e ainda arrecadar uma modesta multa. É pouco, sim, mas em Portugal nem isso.

Sobra-nos a triste consolação de perceber que a complacência com a corrupção não é exclusiva das autoridades nacionais. Na Europa, quer se trate dos negócios escuros das grandes multinacionais ou das transferências suspeitas dos ditadores do mundo, a norma em tudo o que toca a dinheiro, sujo ou limpo, sempre foi abrir as mãos e fechar os olhos. Não nos deve por isso espantar a prescrição recente de crimes económicos como os de Jardim Gonçalves – ou, mais recentemente num outro processo, a condenação do banqueiro com pena de prisão suspensa a troco de multa, uma verdadeira sentença de cavalheiros. Quem rouba um tostão é um ladrão, quem rouba um milhão é um barão. Nada que surpreenda.

Neste panorama negro, surpreendente é uma decisão condenatória recente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), que multou a Caixa Geral de Depósitos (CGD) em 300 mil euros por operações financeiras nebulosas que feriram a transparência, equidade e credibilidade do mercado. Mais surpreendente ainda, quando a CGD se dispôs a pagar a multa sem protestar, a troco de manter a decisão condenatória sigilosa – mais um acordo de cavalheiros ao estilo alemão – a CMVM recusou, levou o processo até ao fim e publicou a decisão. Descortesia do regulador? Não. A CMVM percebe que o seu papel não é apenas policiar os agentes do mercado, é mostrar a todos os investidores que as regras são para cumprir e que há penalidades para quem pise o risco.

A atuação, pouco noticiada, da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários neste caso devia ser a regra no funcionamento dos reguladores e da justiça em Portugal. Infelizmente, é um exemplo raro que merece ser saudado. Recentemente, o presidente da CMVM, Carlos Tavares, disse ao Parlamento ser normal os tribunais absolverem bancos que mentem ao regulador. Quando a justiça de cavalheiros triunfa, a credibilidade das instituições definha.

Reconstruir a esperança

reconstruir a esperanca

Por António Pedro Dores, sociólogo e presidente da Mesa da Assembleia-Geral da TIAC

Pode ser impressão minha. Mas as notícias sobre os casos judiciais abertos contra corrupção estão a aumentar. Será isso uma boa notícia? Seria, caso a confiança nas instituições não estivesse abaixo da linha de água. Infelizmente o problema é mais fundo.

Portugal foi sempre um local de passagem para outras margens. Os primeiros reis foram cruzados em Al-Andaluz. Os Descobrimentos foram a expansão dessa Fé em nome da reposição do Império. O V Império foi e é a utopia possível para se conjugar com a lenda de D. Sebastião e as dependências impostas pela globalização, a cujos ventos o país sempre esteve sujeito. Politicamente congelado durante meio século sob o salazarismo, ao voltar a abrir as portas ao mundo Portugal, com o 25 de Abril de 1974, voltou a sentir o ar agitado da modernização. Encolheu-se (os demógrafos dizem a população envelheceu – aqui a minha homenagem ao Mário Leston Bandeira que faleceu no dia do trabalhador) e manteve-se das sociedades mais desiguais da Europa.

O meu pai recusou-se a fazer aquilo que o meu avô tinha feito com ele: mexer cordelinhos para arranjar um bom emprego para o filho. Era preciso combater o nepotismo, a discriminação e a corrupção. Estou seguro que muitos portugueses dessa geração fizeram o mesmo. Não por serem moralmente especiais. Mas porque foi assim que viveram esse tempo de esperança. Percebo hoje porque preferiu abandonar o país para trabalhar (por moto próprio). Foi tratado por parvo. Não que ele mo tenha dito. Admito até que não compreendeu o que se passou com ele. Eu mesmo só agora percebi o que aconteceu. Enquanto uns imaginaram mundos melhores, outros organizavam, com os pés assentes na terra, alguma maneira de subirem na vida, mascarando isso com serviço público e bem comum. Como então se dizia, “não é um mal as pessoas na política terem as suas ambições pessoais”.

Um porto, como é afinal Portugal, nunca foi, nem talvez possa algum dia vir a ser, um poço de virtudes. É, como todos sabem, um lugar de desenrasca. Em que cada um troca o que tem, sentindo-se sempre estrangeiro na sua terra – desde sempre foram os estrangeirados quem mandou no país, como continua a ser. Como mostram os inquéritos internacionais com grande clareza, os portugueses limitam-se a desconfiar de tudo e de todos, sobretudo de si próprios. De que vale pensar e estabelecer regras (jurídicas ou morais) se tudo está sempre em grande mudança? Para ser verdadeiro, há que entender que esta versatilidade nacional é fomentada intencionalmente pela direcção do porto: primeiro pelo fascismo (o chamado obscurantismo) e depois pela democracia limitada que vivemos: a nível educativo (onde, apesar dos avanços, continuamos lanterna vermelha isolada), a nível cívico (com taxas de participação cívica igualmente destacadas no fim da linha), a nível judicial (onde se persegue quem sinalize problemas e, ao mesmo tempo, se rejubila pelo número limitado de queixas recebidas) e, necessariamente, a nível da transparência.

Não vale a pena esperar de fora as soluções que precisamos cá dentro. A vitória dos aliados na II Grande Guerra não apeou Salazar; a NATO não conteve o 25 de Abril; a troika não combateu as rendas monopolistas nem as inverdades políticas, que continuam manifestamente a campear. Porém não se pense que basta o povo unido – como esteve em 15 de Setembro de 2012.

Não será à justiça, ela própria corrompida por uma selectividade e incapacidade muito bem estudada, disfarçada de dureza para com os números obscenamente crescentes de prisioneiros pilha-galinhas, a quem devamos recorrer à procura de socorro para lutar contra a corrupção. Recorramos antes à memória dos nossos pais – aqueles que pensaram em aproveitar a revolução para serem melhores. Façamos justiça a todos os que foram derrotados pelo rolo compressor da modernização desertificante – do território, dos que assinalaram as perversidades do regime e do nosso ânimo. Transformemos essas derrotas em vitória.

 

O “Ser ou não Ser” dos Lóbis

 

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Por Filipe Pereira, Consultor de Comunicação, membro da TIAC

Ao ser contextualizado na esfera do poder, da política e do desenvolvimento organizacional, como sendo claramente dirigido a questões políticas, macro decisões do foro legislativo e a questões estruturantes da sociedade, o lóbi pode assumir uma função necessária de representação e participação dos cidadãos nos processos de decisão, permitindo a devida auscultação de todas as partes e a identificação de estruturas de defesa de interesses públicos.

No entanto, Portugal não parece estar ainda preparado nem disponível para proceder a esse registo transparente de relacionamentos, tanto pela existência de uma percepção pública negativa, de uma mentalidade empresarial pouco desenvolvida e com falta de visão, e também pela natureza pouco clara de determinados processos que parecem ser mantidos propositadamente desta forma, para possibilitar actividades menos transparentes.

Ainda assim, quando chamados a comentar, todas as áreas e quadrantes de actividade se apressam a considerar como necessária a clarificação do contexto e que esse caminho é apontado como o único a prosseguir. A ausência de conceitos legais bem definidos e delimitados na legislação sobre um registo de relacionamentos e interesses, bem como a ausência de regras de conduta, permitem que os determinados comportamentos não sejam propriamente identificados, dando espaço a ambiguidades e atitudes por vezes ilegais, por impossibilidade de regulação e fiscalização.

Por seu lado, embora os meios de comunicação social desempenhem uma função cooperante de promoção, amplificação e democratização no acesso à informação, são também paralelamente utilizados como instrumento de manipulação da opinião pública, para a efectivação da comunicação indirecta e assim, involuntariamente, ajudar a encobrir actividades menos lícitas. As vertentes negativas que se sucedem por utilização destes meios apenas se poderão controlar pela auto-regulação da comunicação social já que, pela sua natureza, a regulação externa não parece muito viável.

Coimas e restruturações

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Por Filipe Pereira, membro da TIAC

O TC multou partidos por infrações entre 2005 e 2009 em 2,26 milhões de euros.

À primeira vista, parece que temos aqui três boas notícias.

A primeira boa notícia é que os partidos sempre o fizeram e o Tribunal Constitucional sempre o soube… mas agora não houve razões para que o TC não identificasse convenientemente quem cometeu tais infrações.

A segunda boa notícia, muito parecida com a primeira, é que os partidos sempre o fizeram e o Ministério Público sempre o soube…. mas agora não houve razões para que o Ministério Público não agisse, responsabilizando os culpados.

A terceira boa notícia é que 2,26 milhões são (ou seriam) um encaixe simpático, embora pequeno para um país que tem uma tremenda dívida para pagar…. numa altura em que todas as verbas ajudam.

No entanto, todas estas boas notícias têm o seu lado assombroso…. neste caso, para três boas notícias, três lados assombrosos.

O primeiro lado assombroso é que o TC demorou 5 anos a investigar as contas dos partidos e a identificar os culpados. Esta morosidade, também na investigação decorrente das contas das Autárquicas 2009, coloca agora em risco de prescrição alguns dos ilícitos identificados, não sendo ainda certos quais.

O segundo aspeto assombroso é que estas coimas são irrisórias, praticamente sem expressão, quando comparadas com os orçamentos totais dos maiores partidos políticos. Principalmente quando são estes quem comete as maiores infrações e…. apresentam lucros líquidos no final do ano. Como será então possível e compreensível que a única forma encontrada pelo TC e pelo MP de responsabilizar estas estruturas é multá-las com valores insignificantes, não criando mecanismos de regulação e controlo para evitar que o mesmo se volte a passar.

O terceiro aspeto assombroso é o que nos faz questionar o caráter dissuasor destas condenações. Quando a multa se torna rotina (como se tornou ao longo dos últimos anos) e nem sequer impede os maiores partidos (que são os mais prevaricadores) de terem lucros, o que é que muda? Estas multas servem mesmo para punir os responsáveis e obrigar os partidos a mudar de vida, ou tornaram-se apenas num custo de fazer negócio? Perguntado de outra maneira, estamos a limpar o financiamento político, ou apenas a taxar a falcatrua?

Para finalizar, não consigo deixar de achar curioso que alguns dos partidos tenham solicitado o pagamento das coimas em prestações, tendo assim negociado o prazo de pagamento, ao invés de o pagar no imediato. Poderiam ter renegociado quaisquer taxas de juros, caso fossem aplicáveis… mas solicitaram o pagamento em prestações, suponho que de acordo com a sua capacidade de tesouraria e gestão contabilística. Ora atendendo a que uma coima a pagar constitui uma dívida, isto não deixa de ser uma das formas reconhecidas para restruturação desta dívida…

Se o receio apresentado por alguns dos partidos quanto ao solicitar a restruturação de dívida é que Portugal poderia ser visto pelos mercados como não querendo pagar… então sou obrigado a concluir de igual forma neste caso e que embora o montante a pagar pelos partidos políticos seja reduzido, fico com a nítida sensação de que não existe qualquer intenção e consciência cívica que obriga ao pagamento desta coima-dívida.

Gato por lebre

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Por Luís de Sousa, Politólogo e Presidente da TIAC

Hoje em dia, as políticas da justiça, tal como em qualquer outra área sectorial, estão cada vez mais sujeitas a dois tipos de escrutínio: um escrutínio interno dos partidos da oposição, dos vários stakeholders (ordens, sindicatos, associações), da comunicação social, da sociedade civil e dos cidadãos em geral; e um escrutínio externo, através de processos de avaliação por pares, instâncias e credores internacionais.

Os governos e as autoridades públicas estão cada vez mais pressionados a encontrar maneiras de avaliar os resultados conseguidos através de indicadores de desempenho mensuráveis e comparáveis no espaço e no tempo.

A monitorização e avaliação de resultados ganha relevância à medida que as políticas se vão complexificando e que os níveis de literacia dos cidadãos aumentam, exigindo um saber técnico e uma fundamentação especializada mais cuidada das opções tomadas. Se a capacidade de admitir publicamente o insucesso das políticas continua a exigir uma verticalidade por parte dos decisores que ainda escasseia, já as explicações simplistas sobre os alegados sucessos tornaram-se insuficientes. Nem o povo é estúpido, nem os avaliadores externos andam a dormir.

Nos últimos dias, a comunicação social tem mostrado o que de melhor e pior pode fazer em matéria de acompanhamento das políticas públicas. Como denunciara uma vez Mark Twain, “Se um indivíduo não lê o jornal, fica ignorante; se o lê, fica mal informado.” Em democracia, a escolha entre ignorância e desinformação pende para a segunda sempre que for possível a pluralidade de posições e sempre que o cidadão entenda que aquilo que se lê, vê ou ouve é apenas uma de várias representações possíveis da realidade. A fiabilidade da informação publicitada sobre factos de corrupção dependerá em muito do pluralismo de emissores e da capacidade cognitiva dos receptores.

O problema é que em matérias de justiça, e sobretudo no que concerne o combate à corrupção, nem o entendimento das pessoas é consistente, nem o pluralismo de informação se faz sempre sentir: vezes sem conta, os jornais replicam as baboseiras que as autoridades lhes impingem. O “balanço” recentemente publicado pelo Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC) sobre a evolução do volume de processos de corrupção e criminalidade conexa de 2008 a 2013 é disso exemplo.

O dito relatório foi objecto de ampla difusão mediática. Porém, poucos foram os jornalistas que se deram ao trabalho de verificar se “a bota batia com a perdigota”, como se diz na gíria. Não só o documento não explicita as fontes de informação utilizadas, como apresenta um conjunto de “conclusões”, que para além de serem contraintuitivas, não têm qualquer base de sustento empírico. Bastaria uma leitura cruzada com os dados oficiais que constam do Sistema de Informação das Estatísticas da Justiça (SIEJ), para perceber que a informação prestada não é fidedigna e a sua leitura acaba por ser enganosa. Mas para o presidente do CPC, cumulativamente presidente do Tribunal de Contas, Guilherme d’Oliveira Martins, essas “limitações dos dados” são um mal menor, porque as conclusões extraídas acabam por ter bastante utilidade.

E que utilidade é esta? Justificar a existência de um organismo inócuo, ora pois! Sempre que o CPC não tem mais nada para dizer (ou quando não sabe o que dizer) manda cá para fora uns “dados” e mesmo que estes não tenham rigor, deixarão seguramente os jornalistas mais incautos a comentá-los durante alguns dias. O que é que isto acrescenta à eficácia da prevenção e combate à corrupção? Nada. Que lições daqui se tiram para reforçar esse combate? Nenhuma.

No fundo, não se trata de avaliar e melhorar políticas públicas. Trata-se apenas de mostrar serviço. Não é por isso de estranhar que o mesmo relatório apresente também um “balanço” da “evolução do número de notícias publicadas pela comunicação social relativamente ao CPC”. É no fundo isso que lhes interessa. Só é tolo quem quer…

Este artigo foi publicado originalmente na edição de 20 de Abril de 2014 do jornal Público

Portas rolantes e negócios obscuros

RevolvingDoor

Por Luís Bernardo, investigador da TIAC

Desde que a crise entrou na Europa, por via da estrutura de activos dos bancos europeus, muita coisa mudou. Estamos mais atentos ao que se passa no sistema financeiro e aos seus efeitos na democracia. Compreendemos, cada vez melhor, o que é o sistema financeiro. Questionamos cada vez mais a utilidade da sua configuração actual para o cumprimento das suas funções sociais, isto é, a junção apropriada e razoável de investidores interessados e activos interessantes. E, nas organizações da sociedade civil dedicadas à promoção da transparência e do bom governo, em especial nos países mais atingidos pela crise, começamos a perceber isto: a transparência pode não ser condição suficiente para a resolução socialmente justa, politicamente razoável e economicamente eficiente dos problemas que subjazem a uma transição paradigmática, mas é, com toda a certeza, uma condição necessária. Esse é o meu primeiro ponto de partida para debater o gigantesco activo tóxico, a que chamamos BPN, imposto à sociedade portuguesa por uma complexa rede de interesses, sólida e estruturada, que antecede a entrada de Portugal na CE.

O meu segundo ponto de partida é o seguinte: cinco anos depois da nacionalização, ninguém sabe exactamente qual o seu custo. O Tribunal de Contas e as Comissões Parlamentares de Inquérito discordam, a coberto de diferenças metodológicas. A outro nível, os pedidos de acesso à informação esbarram em buracos existentes na Lei de Acesso aos Documentos Administrativos e na cultura de opacidade da Administração Pública; a sociedade civil portuguesa, nos casos muito raros em que assume um interesse mais profundo nestas questões, não consegue aceder a todos os documentos que justificam a decisão de Teixeira dos Santos e não consegue aceder a todos os documentos respeitantes ao bad bank, como se passou a designar o conjunto de agências públicas criadas, a partir de 2008 – como o TARP americano ou a NAMA irlandesa -, para absorver os resultados de décadas especulativas e opacas. Em Portugal, a criação das “Pars” – a Parvalorem, a Parups e Parparticipadas – continua a estar envolta num manto de sombras que impede uma análise clara do processo político que levou a uma nacionalização com custos gigantescos (mais de 2% do PIB em 2009, se as conclusões das Comissões de Inquérito tiverem validade) e continuados.

Os casos da venda ilegal das obras Miró e, mais recentemente, dos problemas do cálculo das reformas dos trabalhadores do BPN/Parvalorem, não podem ser isolados do problema de fundo: o modelo de negócio deste tipo de banco faliu, em primeiro lugar porque nem os seus proponentes conseguem perceber os incentivos e riscos inerentes aos activos que adquiriram, em nome do lucro e da remuneração crescente do capital. Um modelo de negócio baseado em opacidade, assimetria de informação e uma fé maldosa na sabedoria de alguns corretores e investidores já mostrou não servir os interesses da sociedade ou cumprir o propósito fundamental do sistema financeiro, que já referi, ou de um sistema bancário saudável. Sistemas financeiros viáveis só existem com sistemas bancários saudáveis, embora sejam necessárias mais condições. Contudo, um sistema bancário saudável convive tão mal com a desconfiança dos depositantes como com opacidade sistémica. Um sistema bancário que aceita a existência de derivados sintéticos, paraísos fiscais, operações over-the-counter e repos (contratos de recompra), todos eles imunes a um sistema regulatório, seja qual for a sua agressividade ou capacidade repressiva, só subsiste porque continuamos a aceitar a cultura de opacidade corporativa e continuamos a transferir a responsabilidade de monitorização para agentes com conflitos de interesse colossais.

Uma das razões que me leva a afirmá-lo com tanta assertividade não passa de uma intuição: duvido que os pedidos de acesso à informação respeitante ao BPN se tenham multiplicado ao longo dos anos. Além disso, e posso afirmá-lo com a certeza de ser um historiador que, em 2009, nem sequer sabia a diferença entre um activo e um passivo, continuamos, enquanto colectivo, a preferir não saber. Como diria alguém, o fetichismo da ignorância e o dandismo próprio de uma sociedade decadente são motores da opacidade e da corrupção. Também é por isso que não sabemos tudo sobre o BPN.

Não me parece relevante saber se Oliveira e Costa devia ou não ter sido preso. A compulsão repressiva é própria de uma sociedade ignorante e obscurantista, porque, mais uma vez, defere a responsabilidade colectiva para um poder judicial que devia concentrar-se na mediação e arbitragem, não na sanção e punição. O conformismo lógico – “as coisas são assim porque sempre foram assim” – torna-nos, a todos, responsáveis. Quando nos revoltámos na tasca contra “a cambada de corruptos” e não quisemos saber mais, porque a revolta verbalizada junto dos nossos amigos bastou para saciar a sede de sangue, ou porque escrevemos no Facebook acerca deste ou daquele “político corrupto” (embora, geralmente, não se saiba o que é um político ou um corrupto) e nos sentimos aliviados de qualquer responsabilidade adicional, tornámo-nos negligentes. Nada disto significa que devemos suportar os custos de operações opacas e, provavelmente, criminosas. Mas significa que o acesso e direito à informação são mais importantes, como ponto de partida, que a vontade repressiva ou a sede de sangue. Uma sociedade verdadeiramente democrática teria sabido lidar com o BPN. Desse ponto de vista, a Islândia é um exemplo. Aqui, torna-se óbvio afirmar que não basta saber. É preciso ter as condições e capacidades adequadas ao uso da informação, e a resposta, no que diz respeito a Portugal, é fácil: não as temos em quantidade suficiente e precisamos de fazer mais que fechar portas rolantes e denunciar negócios obscuros. Mas, se tivermos e cultivarmos essas condições e capacidades, será mais fácil começar por fechar portas rolantes, denunciar negócios obscuros, deslegitimar essas práticas e os seus fautores. Nas vésperas dos quarenta anos do 25 de Abril, é preciso exigir mais da democracia – liberal, pós-liberal, representativa, participativa, local ou global. É duvidoso que possamos exigir mais da democracia sem exigir mais de nós mesmos enquanto membros da República. E isso sugere algo de muito importante: é preciso perder a sede de sangue e ganhar sede de justiça.

Não somos deuses nem animais

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Por Bárbara Rosa, Jurista, membro da direcção da TIAC e co-autora do blogue Má Despesa Pública

Daniel Innerarity defende, citando Aristóteles, que a nossa condição política é algo que nos permite fazer um grande número de coisas que seriam impossíveis se vivêssemos como os deuses ou os animais. E a política não é sinónimo de partidos pois vai muito além deles, sendo – e passe o singelo resumo – a ciência que organiza e administra as instituições. Nas palavras do filósofo e politólogo basco, a democracia institucionalizada é aquela que transforma a abstracção “povo” numa figura visível, que se materializa e torna-se operativa e cuja vontade cabe verificar. Às instituições cabe reconhecer a pluralidade da sociedade [o “povo”] e proteger os cidadãos – elas existem para garantir os direitos constitucionais. Uma democracia precisa de procedimentos, regras e representação para se defender da irracionalidade. Essa representação, a discussão pública e os procedimentos institucionais servem para fixar os contornos da tal realidade plural denominada “povo”. A democracia, enquanto sistema que melhor reflecte as preferências individuais, é de – e para- todos e eu sinto algum desconforto ao ver tanta boa gente dedicada à promoção/venda de ideias anti-política e que apenas servem para atirar os portugueses para o banco dos suplentes do jogo que é a democracia. Este jogo democrático, do qual somos todos titulares, o espaço público, convoca todos os cidadãos e ninguém deve viver à margem dele. É certo que eu não oiço um único cidadão a dizer que não quer saber deste país e escuto demasiados a afirmarem que nada querem com os partidos e descrentes nas instituições. Curiosamente, a maturidade democrática que não se reconhece aos partidos manifesta-se na sociedade e sob diversas formas – nos espaços físico e virtual. Nós, os cidadãos, estamos melhor informados e, por isso, somos menos tolerantes à má governação e queremos saber mais sobre a vida do Estado; desconfiamos das instituições porque a crise económica aprofundou a percepção de que elas não cumpriram o seu papel democrático – a construção de uma sociedade mais justa e igual. Os governos defraudaram os cidadãos e os partidos mostraram-se incapazes de cumprir as expectativas de representação, orientação e configuração da vontade política que sobre eles recaem e que justificam a sua existência. Precisamos de outra política.

A crise política em que vivemos não é mais do que a morte decretada da forma de fazer política que reinou nas últimas décadas, mas não significa o fim da política. Precisamos da política para articular, valorar e tornar compatíveis as múltiplas aspirações da sociedade. Sem programas políticos completos não existe construção social, pois esta não se resume à soma das – nem sempre – legítimas reivindicações dos diversos colectivos sociais. E que não se perca tempo a defender a democracia directa e a fantasia da “autodeterminação democrática”, o fim dos partidos ou qualquer outra ideia de «trincheira apolítica». Ao invés, urge aprofundar a nossa democracia e a consciência da inevitabilidade de ser governado por outros. No sistema de democracia representativa, os cidadãos não governam mas têm o poder-dever de participar na gestão e orientação do país e tal só é possível se ampliarmos o espaço público – e a transparência do sistema político é um precioso instrumento para isso.

Já que não temos eleições todos os dias (felizmente), reivindiquemos melhor representação, mais transparência na governação, maior controlo, renovação de quem dirige, em suma, reivindiquemos uma melhor democracia mas não abandonemos a lógica política, sob pena de envenenarmos (ainda mais) o sistema político e assim darmos espaço aos extremos, aos “tea parties” da esquerda e da direita, como ensina Innerarity. Deixemos de ser um fracasso colectivo e reivindiquemos todos numa lógica política, por favor.

Lóbi em sentido contrário

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Por Susana Coroado, investigadora da TIAC

Tradicionalmente, olhamos para o lóbi como uma forma de interesses privados (em geral, mas não exclusivamente, económicos) influenciarem os poderes públicos. Mas e o contrário, isto é, interesses nacionais procurarem exercer influência sobre interesses privados ou outros interesses públicos?

A diplomacia tem sido o instrumento de excelência dos governos na defesa dos seus interesses perante outros Estados e junto a organizações internacionais. No entanto, há já algum tempo que os governos deixaram de se limitar à estrutura diplomática para representar os seus interesses estratégicos nacionais. Há, aliás, quem comente já o declínio ou a privatização da diplomacia. Executivos de vários países começam a recorrer igualmente a firmas de lóbi profissional, também conhecidas por empresas de Public Affairs ou Government Relations, para defenderem e promoverem os interesses nacionais junto de organizações internacionais, de outros governos e até perante agentes do sector privado, em especial credores e potenciais investidores.

A capital norte-americana, Washington D.C., tem sido o palco privilegiado desta mudança de paradigma, uma vez que ali confluem o mais desenvolvido mercado de lóbi e alguns dos mais importantes decisores da política mundial. Os lobistas profissionais parecem ter mais contactos e saber circular melhor nos meandros da política norte-americana. Os lóbis de Israel e da Arménia são dos mais conhecidos e poderosos, mas não são os únicos a representar interesses nacionais. Os governos da Somália e da Tailândia já foram apontados como clientes de empresas de lóbi daquela cidade.

Portugal não escapa a esta tendência e já em várias ocasiões recorreu a lobistas para defender os seus interesses em diversas ocasiões. Algumas informações dão conta que o governo português terá já recorrido a lobistas em diversas ocasiões, entre as quais as candidaturas à realização da Expo98 e do Euro2004. Também na defesa da independência de Timor Leste terá sido utilizada uma empresa para fazer lóbi junto da Administração Norte-Americana que, à data, tendia a apoiar a Indonésia. Mais recentemente, o atual e o anterior executivos contrataram em 2010 e 2011 empresas de lóbi para “melhorar a imagem externa do país” junto de organizações internacionais, dos mercados e dos credores.

Académica ou legalmente, esta representação de interesses públicos perante outros poderes públicos nacionais e internacionais e perante interesses privados pode não encaixar nas definições de lóbi mais comummente aceites. No entanto, é inegável a adoptação das mesmas estratégias e recursos por parte de governos. O lóbi começa a ser uma realidade difícil de escapar, pelo que urge abrir um debate alargado sobre o tema em todas as suas vertentes.

Corrupção e marotice

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Por João Paulo Batalha, membro da Direção da TIAC

No meu último dia de aulas da quarta classe fecharam-me com os outros finalistas da escola primária numa das salas. “Agora vão para o quinto ano, para uma nova escola, e não vamos estar lá para vos proteger”, explicaram os professores. Era a hora de sabermos o que era a vida. O que se seguiu foi um vídeo sobre os malefícios da droga que me ficou até hoje na memória como uma peça notável de propaganda terrorista: além das imagens explícitas de corpos destruídos por anos de consumo de drogas duras, a narrativa era paralisante. Falaram-nos de adultos suspeitos à porta das escolas a oferecer doces contaminados, de raptos e horrores vários, de como um simples cigarro era a entrada para uma espiral de perdição irreversível. Eu, que já sofria de uma timidez anquilosante, saí da escola com medo do mundo.

Nos Estados Unidos, ainda hoje, algumas almas puras tentam ensinar aos adolescentes que os contracetivos são obra do Demo e que a única forma de evitar doenças e gravidezes indesejadas é a abstinência – resultado: os EUA são um dos países do mundo com maiores taxas de gravidez adolescente.

Em Portugal, surpreendentemente, ninguém menos que o presidente do Tribunal de Contas parece ter encontrado os méritos da virgindade e do decoro. Em entrevista à Visão, Guilherme de Oliveira Martins notou que “a corrupção começa no pequeno favor, muitas vezes lícito”. A génese do mal, explicou o também presidente do Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC), é a relação de amizade que se traduz na cunha, “no pequeno favor que a própria sociedade complacentemente aceita. Mas acaba no crime”.

Nesta mesma linha, o CPC promoveu no ano passado um concurso de vídeos junto dos alunos do segundo e terceiro ciclo do ensino básico (precisamente a idade que eu tinha quando me explicaram que a minha vida era uma queda imparável para a destruição e o vício). No vídeo promocional da iniciativa, imperdível, a mensagem é inequívoca: “Tu vives lado a lado com a corrupção”. A ilustração, nem tanto: uma estudante desenvolta puxa de uma cábula durante um exame, enquanto um reformado astuto tira um ás do bolso para vencer a bisca no banco de jardim.

Outra história de infância: criado em Cascais (um concelho com mais fama que proveito), cresci no meio de uma expansão urbanística e populacional vertiginosa – outra história para a qual a corrupção também é chamada –, sem equipamentos públicos à altura. O hospital de Cascais, subdimensionado e mal apetrechado, era a antecâmara do Inferno. Sem o sistema de triagem de Manchester, hoje generalizado, a ida às Urgências era um bilhete para umas boas horas de espera, independentemente da gravidade da maleita.

Felizmente para os meus pais (então miúdos de 20 e tal, trinta anos), havia uma prima (há sempre uma prima) que trabalhava nos serviços administrativos do hospital. Quando um dos miúdos adoecia de repente, as opções eram uma madrugada inteira à espera nas Urgências ou um telefonema estratégico, à procura de uma facilidade. Nem sempre era possível ajudar, mas quando era, ajudava-se. Eu, corrupto, me confesso.

Na ótica do presidente do Tribunal de Contas, um miúdo com febre e dois pais alarmados é a antecâmara da corrupção. Suponho, por essa ordem de ideias, que Jorge Coelho ou Ferreira do Amaral – ministros das Obras Públicas que concessionaram PPP ruinosas e foram mais tarde trabalhar para os concessionários dessas mesmas PPP ruinosas – nunca se teriam metido nessa dúbia posição se ao menos lhes tivessem ensinado a não copiar nos exames e a sentarem-se direitinhos na missa.

“Os cidadãos não têm talvez uma consciência plena de que depende deles o combate à corrupção”, reflete Guilherme de Oliveira Martins na mesma entrevista à Visão. Tem toda a razão. A questão é saber se o papel da cidadania é defender a moral e bons costumes, à boa velha maneira (no tempo do Salazar andava tudo na linha) ou se é exigir instituições que funcionem, mecanismos de controlo que controlem e responsabilização efetiva dos prevaricadores.

Portugal tem um problema de complacência com a corrupção. Os cidadãos sentem-se tentados a votar no autarca que “rouba, mas faz”; a meter uma cunha para tornear um sistema feito para entravar; a deixarem-se afundar na impotência e no desespero. Sem dúvida que precisamos de educar os cidadãos. Mas pior, e mais urgente, que a complacência social, é a complacência institucional. É a naturalidade com que a justiça falha, a impunidade reina e organismos como o Tribunal de Contas apontam ataques rotineiros às finanças públicas sem que ninguém seja responsabilizado.

Portanto, atacamos a corrupção na bisca ou no orçamento? Baseamos uma estratégia de combate à corrupção no moralismo e na “pedagogia” oca, ou pomos as instituições a funcionar? Guilherme de Oliveira Martins parece ter feito a sua escolha. Temo que tenha feito a escolha errada.

Nota final: fez-se entretanto um novo hospital em Cascais. Está bem dimensionado, tem um sistema de triagem baseado em critérios de urgência clínica e dá resposta adequada à população. Já ninguém ali mete cunhas; não precisa: a instituição, que não funcionava, passou a funcionar. É curiosamente, uma PPP, que o próprio Tribunal de Contas diz estar orçamentada de forma irrealista, com despesa escondida. De quem é a culpa? Talvez se os reformados não fizessem batota à bisca…

Cuidado com as Ervas Daninhas, quando disfarçadas de Relvas

 

ervas daninhas

Por Filipe Pereira, membro da TIAC

Errar é humano. Tirando as possíveis consequências para terceiros que podem advir desse erro, há que não fazer dramas e aprender com o erro. No entanto, se voltamos a cometer o mesmo erro repetidamente, aí sim poderemos pôr em causa a razão e o propósito desse erro.

E assim está feita a introdução a determinados erros que partidos políticos insistem em cometer. Erros ou decisões premeditadas. Refiro-me à insistência em contar nas suas filas dianteiras com aqueles membros que têm já um historial duvidoso na conduta das suas funções políticas e que, invariavelmente, as complementam com acordos, negociatas e cargos em empresas públicas e privadas onde também, invariavelmente, beneficiam do seu passado político. E assim continuam num ciclo vicioso, até que alguém ou algo interrompa esse mesmo ciclo.

Se quisessemos criar uma tipologia dos políticos em atividade desde o 25 de Abril, eu diria que os poderíamos colocar em algumas poucas categorias. Os genuínos mas iludidos (poucos), os genuínos mas realistas (ainda menos), os oportunistas (a grande maioria) e uma última categoria na qual pretendo focar-me um pouco mais… os políticos de negócios.

São destes últimos a que eu me refiro. Os senhores apresentados neste artigo do Público, são bem conhecidos dos portugueses e do circuito empresarial. No entanto, não parece existir neles qualquer pingo de vergonha nem intenção de abrandar… tanto na participação político-partidária, como na sua influência em negociatas entre o Estado e empresas privadas. E o pior, é que estes dois individuos são apenas dos mais visíveis, logo mais fáceis de reconhecer. No entanto, o parlamento está cheio deles, deputados que do alto das suas bancadas parlamentares, premeiam e permeabilizam a legislação como melhor lhes convém, em prol de interesses e atividades censuráveis. O mínimo de transparência e de ética faria que qualquer um deles se afastasse das suas responsabilidades políticas.

Poder-se-á argumentar que qualquer descrição dos seus interesses e da sua impunidade, bem como de interesses, contatos ou grupos que partilhem não passam de teorias da conspiração. No entanto, tanta coincidência é de estranhar… e em realidade, já estamos para lá da ingenuidade de pensar que depois do 25 de Abril somos todos bem intencionados ou que não há nada a fazer e o problema é cultural. Há que identificar, apontar o dedo e responsabilizar os tais políticos de negócios e, aos poucos, através da participação cívica de todos, substituí-los por daqueles políticos genuínos… os poucos que existem.